As previsões apocalípticas de que as salas de cinema sucumbiriam nestes tempos de TVs gigantes, pirataria e Netflix não poderiam ser mais equivocadas. Ano após ano, os cinemas brasileiros seguem a tendência dos demais países ocidentais, incluindo EUA, e aumentam o faturamento obtido com a venda de ingressos. Em 2015, conforme estimativas divulgadas na semana passada pelo Filme B, empresa de referência na análise do mercado cinematográfico, a conta deve fechar em R$ 2,25 bilhões - 12,8% a mais do que a quantia obtida em 2014. É o 11º ano consecutivo de crescimento.
A verdade é que a indústria se preparou para enfrentar a "concorrência". Não apenas investindo em 3D e Imax, mas, sobretudo, no lançamento de "superblockbusters".
- É esse tipo de filme que sustenta esse crescimento - define Paulo Sérgio Almeida, diretor do Filme B. - O cinema sobrevive, como uma indústria poderosa, graças aos superblockbusters.
Enquadram-se nessa definição as grandes franquias de Hollywood, como Vingadores e Velozes e Furiosos, que renderam os dois filmes mais vistos de 2015 no Brasil (veja nos quadros abaixo).
Mesmo apostando de maneira sistemática nesse tipo de projeto, contudo, a indústria está sujeita ao gosto do público. Neste ano que se encerra, por exemplo, cinco longas venderam mais de 6 milhões de ingressos no país (sem contar os mais recentes Star Wars e Jogos Vorazes, que estrearam em dezembro e seguem em cartaz). Em 2014, só um título alcançou essa marca: A Culpa É das Estrelas. E nem por isso a arrecadação de todas as salas, de maneira geral, deixou de manter a média de crescimento.
Entre os filmes brasileiros, a situação se repete: os campeões arrastam cada vez mais gente aos cinemas, deixando para as chamadas produções menores uma fatia de mercado progressivamente mais reduzida. Com um detalhe: esses campeões, invariavelmente, são as comédias populares - as "globochanchadas".
Nesse cenário, medidas como a que limita o espaço ocupado pelos superblockbusters, adotada pela Agência Nacional do Cinema (Ancine), revelam impacto mínimo.
- Não se ganha mercado por decreto - analisa Almeida. - O superblockbuster é aquele tipo de guloso que come mais do que precisa. Pode-se tirar a comida dele, mas ele vai continuar se alimentando. Essa medida é ingênua, não muda muita coisa.
Referência entre os países que conseguiram valorizar o produto nacional em meio ao banquete de Hollywood, a França consegue participação maior de seus longas no mercado doméstico "porque foi adaptando leis conforme a movimentação do mercado por muitos anos", comenta o diretor do Filme B. Entre 30% e 40% dos ingressos vendidos nos cinemas franceses, desde 2010, têm sido destinados a sessões das produções nacionais. No Brasil, a estimativa é de que os cerca de 12% de 2014 sejam mantidos em 2015.
Grandes e pequenos fenômenos
O ano de 2015, no Brasil, teve ao menos um fenômeno entre os chamados filmes médios - aqueles que ficam no meio do caminho entre os superblockbusters e as produções que são experimentais ou que, simplesmente, acabam ignoradas pelo circuito comercial e só encontram espaço nas salas ditas alternativas. Trata-se de Que Horas Ela Volta? (foto acima).
O longa de Anna Muylaert chegou discretamente, como quase todos os títulos que se enquadram nessa definição. Mas a boa propaganda boca a boca turbinou sua audiência, e o filme conseguiu aumentar a arrecadação nas semanas seguintes à estreia - o que se pode considerar um feito, dado que, em média, há queda de cerca de 40% da primeira para a segunda semana.
Porém, o diretor do Filme B, Paulo Sérgio Almeida, acredita se tratar de uma exceção:
- É um fenômeno isolado. O filme é bom, seu tema é "da hora" e, além disso, foi escolhido para representar o país no Oscar bem na época da estreia. Ou seja: houve uma conjunção de fatores que impulsionaram seu desempenho comercial. Mas há perspectiva de outras exceções, de vez em quando. Já vimos performances fora da curva de dramas sociais e, também, títulos sobre violência urbana, cinebiografias...
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2015, ano da digitalização
Outro número que chama especial atenção no balanço anual do Filme B diz respeito à digitalização do circuito: 96% das salas já estão equipadas com o sistema digital de projeção em alta definição (DCP, na sigla em inglês). O número surpreende porque, até 2014, o Brasil era considerado atrasado nesse processo - na comparação com outros países.
Nesse caso, pode-se dizer que o Brasil colheu frutos do que plantou antes. Em 2015, a digitalização pôde praticamente ser concluída graças às linhas de financiamento para aquisição de equipamento abertas pelo governo federal nos anos anteriores.
O que saltou de maneira mais surpreendente é a quantidade de salas 3D: estas já somam 42% das quase 3 mil existentes (contando as 247 que foram abertas em 2015).
O curioso, em se tratando do 3D, é observar que o sistema se consolida quando parece firmar-se a convicção de que o recurso só é válido em casos específicos - e não de maneira quase irrestrita, como acreditaram os grandes estúdios logo após os recordes obtidos por Avatar (2009).
Diz Almeida:
- O 3D deu certo para dificultar a pirataria, mas não obteve tanto êxito na tentativa de ressaltar a exclusividade da experiência da sala de cinema, na comparação com a TV e o streaming. Muita gente o rejeita, pelo desconforto dos óculos ou pela dificuldade de se ter acesso a uma boa projeção, já que muitas salas têm equipamentos precários. Daqui para a frente, a tendência é seu uso em animações, ficções científicas e séries com fãs que se dispõem a pagar mais, como Star Wars. Não muito mais do que isso.
Assim sendo, 3D em 42% das salas não seria um exagero? É uma questão que os futuros balanços anuais do Filme B, a partir de 2016, poderão ajudar a responder.
Os campeões de bilheteria de 2015 no Brasil
(em número de espectadores)
Vingadores: Era de Ultron - 10,1 milhões
Velozes e Furiosos 7 - 9,8 milhões
Minions (foto acima) - 8,9 milhões
Jurassic World (abaixo) - 6,3 milhões
Cinquenta Tons de Cinza - 6,1 milhões
Os filmes nacionais mais vistos do ano
(em número de espectadores)
Loucas pra Casar - 3,7 milhões
Vai que Cola - 3,2 milhões
Meu Passado me Condena 2 - 2,6 milhões
Carrossel - O Filme - 2,5 milhões
Os Caras de Pau em O Misterioso Roubo do Anel - 1,9 milhão
O ano resumido em números
Os cinemas brasileiros devem fechar 2015 com R$ 2,25 bilhões arrecadados apenas nas bilheterias, o que representa 12,8% a mais do que a quantia obtida em 2014, que já era 11,6% superior à de 2013. O total de ingressos vendidos, em 2015, deve ultrapassar 170 milhões, ou seja, 7% a mais do que o registrado no ano passado. É o 11º ano consecutivo
de crescimento do mercado.
Os filmes nacionais devem somar 22 milhões de ingressos vendidos, cerca de 12% do total no país. Em 2014, o número ficou em 19,5 milhões. Dos quase 400 longas lançados no Brasil neste ano, 122 são nacionais. No ano passado, foram 103 filmes.
Com as 247 salas inauguradas em 2015, o circuito nacional já conta, no total, com quase 3 mil cinemas. 96% destas já operam com o sistema digital de projeção (DCP, na sigla em inglês). Também as salas em 3D aumentaram: já somam 42% do total no país, o que ajudou no leve aumento do preço médio do ingresso, que em 2015 foi de R$ 12,76 (em 2014, fora de R$ 12,55).
Neste ano, o mercado foi dominado por franquias conhecidas de temporadas anteriores. Se Vingadores: Era de Ultron e Velozes e Furiosos 7 foram os campeões de bilheteria no Brasil, Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros terminou 2015 como a maior bilheteria do ano nos EUA. Alguns superblockbusters não esgotaram seu potencial de mercado em 2015. Até que a Sorte nos Separe 3, Jogos Vorazes: A Esperança - Final e Star Wars: O Despertar da Força, que estrearam em dezembro, devem seguir arrastando multidões aos cinemas em janeiro.
Para se ter uma ideia do quanto os superblockbusters dominaram a temporada: os dois campeões de bilheteria de 2014 no Brasil, A Culpa É das Estrelas e Malévola, levaram, respectivamente, 6,1 milhões e 5,8 milhões de pessoas aos cinemas - números que os fariam estar apenas em quinto e sétimo lugar em 2015. Os 10 cam­peões de 2014 somaram 29% do total de ingressos vendidos no ano, enquanto os 10 campeões de 2015 devem somar 40%, estima o Filme B.
Cada vez mais, as animações ganham espaço no ranking de bilheteria. Em 2015, três longas do gênero ficaram no top 10: Divertida Mente e Bob Esponja: Um Herói Fora dÁgua, ambos com pouco mais 3,7 milhões de espectadores, e o arrasa-quarteirão Minions, com nada menos do que 8,9 milhões.
No meio do caminho entre as comédias superpopulares e os títulos autorais destinados ao circuito alternativo, Que Horas Ela Volta? deu ao cinema brasileiro um alento: ao aumentar a bilheteria nas semanas seguintes à estreia, fato incomum no mercado, afirmou a força da boa propaganda boca a boca, algo que andava em falta nos lançamentos nacionais das temporadas anteriores.