Entre os filmes de caráter político (O Crocodilo, Habemus Papam) e aqueles que examinam a intimidade e a família (O Quarto do Filho, Caro Diário), o italiano Nanni Moretti construiu uma das obras mais sólidas do cinema europeu contemporâneo. O mais recente filme do diretor, Mia Madre, filia-se à segunda corrente: acompanha como dois irmãos conduzem suas vidas no momento em que a mãe deles fica doente e, ao que indicam os médicos, se aproxima da morte.
O júri ecumênico do último Festival de Cannes, que entregou seu tradicional prêmio a Moretti, descreveu com precisão o mérito do longa, uma das estreias desta semana nas salas brasileiras: "Sua artesania elegante aborda com humor um momento doloroso da vida". Em outras palavras, você pode ir ao cinema sem receio de enfrentar um drama pesado sobre o impacto da morte.
É o próprio Moretti quem interpreta o irmão homem, mas a protagonista da trama é a irmã mulher - uma cineasta vivida por Margherita Buy. Ela se deixa abalar pela iminente perda da mãe (Giulia Lazzarini), como não poderia deixar de ser. A proximidade do excêntrico ator de seu novo filme, um inglês fanfarrão encarnado por John Turturro, porém, traz algum alívio à pesada rotina que ela enfrenta.
A mão do grande realizador se revela na forma complexa como essas relações estão amarradas. Ao mesmo tempo em que a faz rir, o personagem de Turturro lhe causa problemas profissionais - é impossível discipliná-lo no set, coisa que ela descobre em meio às filmagens. Para além da curiosidade metalinguística, a abordagem de uma produção de cinema está a serviço da construção de um cotidiano muito particular: se a dor da mulher soa familiar ao público (quem nunca enfrentou uma perda?), tudo o mais em seu dia a dia tem algo de estranho, incumum.
O naturalismo típico dos outros longas de Moretti, aqui, também constitui um trunfo para aproximar o espectador da trama. Os problemas no trabalho, os obstáculos na vida pessoal, as distrações momentâneas, tudo acontece ao mesmo tempo - é como se a própria realidade se apresentasse na tela. No meio disso, de novo, Moretti dá um jeito de brincar com o extraordinário - com sequências que apresentam os sonhos perturbadores da protagonista.
O luto e o medo da morte, em Nanni Moretti, são naturais, mas não deixam de ser sui generis. Poucos cineastas abordam o tema com tanta propriedade atualmente. Se há um problema em Mia Madre é o de ele já ter feito títulos semelhantes mais contundentes.
O Quarto do Filho (2001), por exemplo. Que, não por acaso, é um filme com menos humor. No novo longa, a comicidade nem sempre funciona - um pouco pela composição um tantinho estranha de Turturro, outro pelas próprias situações criadas no roteiro. Moretti é ótimo, mas isso não quer dizer que sempre acerte o tom.
Mia Madre
De Nanni Moretti
Drama, Itália/França, 2015, 107min.
Em cartaz no Espaço Itaú e no Guion Center, em Porto Alegre.
Cotação: bom