Em 1984, os cientistas descobriram o vírus causador da aids, David Bowie lançava o disco Tonight, o Brasil tomava as ruas e praças pedindo "Diretas Já", a juventude colava o ouvido no radinho para sintonizar Sonífera Ilha e Estela não sabia se gostava de Xande ou de JM. Califórnia, primeiro longa de ficção dirigido por Marina Person, volta três décadas para contar a história atemporal de uma adolescente confusa com as descobertas do amor e do sexo e confrontada pelas demandas do mundo adulto - tendo como pano de fundo a situação política, econômica e cultural de sua época. É por conta justamente do equilíbrio desse vaivém entre nostalgia e atualidade, drama íntimo e painel coletivo que o filme, que estreia na Capital, é tão vivo e encantador.
Marina Person: "As questões da adolescência são as mesmas"
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Ex-VJ da MTV, a apresentadora de televisão Marina Person fez uma estreia promissora como diretora de cinema com Person (2007), documentário sobre seu pai, o cineasta Luís Sérgio Person (1936 - 1976), realizador do clássico São Paulo S/A (1965). Atriz de filmes como Bens Confiscados (2004), de Carlos Reichenbach, e O Casamento de Romeu e Julieta (2005), de Bruno Barreto, Marina começou a esboçar o enredo de Califórnia em 2004.
- O filme fala da minha adolescência, mas também de todas as adolescências. As questões são as mesmas, as perguntas são as mesmas - justifica a diretora de 46 anos em entrevista por telefone a Zero Hora.
Califórnia se passa em São Paulo, em 1984. Estela (Clara Gallo) é uma menina de 17 anos de classe média alta, às voltas com as atribulações típicas da idade: a indefinição quanto ao futuro profissional, as festas e as viagens para a praia com as amigas, os flertes com os garotos, o desbunde com as novidades do pop rock nacional e gringo. O grande herói de Estela é o tio Carlos (Caio Blat), jornalista musical que mora nos Estados Unidos e que escreve empolgadas cartas contando suas aventuras no circuito musical e contracultural americano, alimentando na sobrinha a expectativa pela tão aguardada viagem em que ambos vão se encontrar na Califórnia. Inesperadamente, no entanto, Carlos volta ao Brasil para se tratar de uma misteriosa doença, ao mesmo tempo em que Estela divide-se entre a atração pelo gostosão da escola Xande (Giovanni Gallo) e a curiosidade com o esquisitão novato JM (Caio Horowicz) - cujo visual é uma mistura de Robert Smith, vocalista da banda inglesa The Cure, e Ian McCulloch, cantor do Echo & the Bunnymen.
O elenco de atores jovens é um dos trunfos de Califórnia: os estreantes Clara Gallo e Caio Horowicz emprestam frescor e credibilidade a seus personagens graças à naturalidade como interagem em cena e vivenciam suas angústias. Já as atuações dos adultos - que incluem Virginia Cavendish e Paulo Miklos, integrante do grupo Titãs, como os pais de Estela - estão em consonância com a vibração do filme, com destaque para Caio Blat, interpretando um papel que ecoa ícones da cultura pop brasileira oitentista, como o roqueiro Cazuza e o jornalista e produtor musical Ezequiel Neves.
Para além de mera coletânea de referências nostálgicas tipo almanaque dos anos 1980, Califórnia parte das lembranças afetivas de uma geração para dividir com o espectador as dores e os prazeres dos jovens de qualquer tempo.
Califórnia
De Marina Person
Drama, Brasil, 90min, 14 anos.
Cotação:4