Está no site do MEC um desenho do que o governo federal pretende que seja a base dos currículos em todo o país. É a BNCC - Base Nacional Comum Curricular.
Vejamos o caso da Literatura no Ensino Médio. Fixo-me em dois pontos: (1) a abrangência geográfica da literatura a ser lida e (2) a organização da cronologia no ensino da literatura.
Sobre o primeiro ponto, há duas delimitações, apenas: literatura brasileira, obviamente, e "obras africanas de língua portuguesa, bem como a literatura indígena", nada obviamente. Pergunto: sabemos bem de que escritores se trata? Há algum consenso mínimo sobre sua qualidade e relevância, considerando o patrimônio literário disponível?
(Por outro lado, isso quer dizer que nada se prevê acerca de proporcionar a leitura de Shakespeare, Cervantes e Kafka, nem de Poe, Borges e García Márquez, ou de Camões, Eça e Fernando Pessoa. Afundaremos no terceiromundismo, isolados do âmbito ocidental.)
Sobre o segundo ponto, a coisa é igualmente ruim. No primeiro ano, o cardápio será "Literatura Brasileira Contemporânea." No segundo, literatura brasileira "dos séculos XX e XIX". No terceiro, a "dos séculos XVIII, XVII e XVI". Nesta exata ordem.
Uma enormidade: quer o projeto que seja invertida, simplesmente invertida, a cronologia, de forma que os alunos sejam apresentados primeiro ao discutível autor de hoje e, no fim da jornada, à Carta do Caminha. E todo um ano para a dita literatura contemporânea, a do século XXI, com seus meros 15 anos de vida!
Trata-se de uma visão presenteísta, que redunda perversamente com o presenteísmo dos adolescentes - que precisam muito conhecer outra vida que não aquele presente eterno que já os sufoca, pela idade e pela imposição do mercado.
Ora, é certo que a mera cronologia não é suficiente para dar uma visão orgânica; mas inverter, simplesmente inverter o curso do tempo, é ridículo: não leva ninguém a melhorar sua perspectiva, histórica e humana, como moldura para a leitura.
A proposta é ruim e, sinceramente, dá ares de improviso - difícil imaginar que tenha havido meditação anterior suficiente.
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