Conversei com Lemmy por pouco mais de 15 minutos. Foi em março, por telefone, em uma entrevista que seria publicada por ZH dias depois, às vésperas do festival Monsters Tour, que trouxe o Motörhead a Porto Alegre – além de Ozzy Osbourne e Judas Priest. A primeira coisa que lembro de minha conversa com uma das maiores lendas da história do rock é o "hi" que recebi assim que tirei o telefone do gancho: um grunhido que ficava entre "hey" e "nhãrf" e era mais barulho do que saudação. Já esperava ouvir uma voz cavernosa, mas nunca imaginei que um simples cumprimento de duas letras poderia são tão grotesco e ininteligível. Até o fim da entrevista, fui obrigado a lidar com a dificuldade de entender o inglês embolado, rouco e arrastado de Lemmy.
Morre Lemmy Kilmister, vocalista da banda Motörhead
Leia a entrevista de Lemmy a ZH: "Não inventei nada, só toco do jeito errado"
Durante esses 15 minutos, tentei fazê-lo falar principalmente sobre música – o rock atual, bandas que o inspiraram, o público brasileiro – mas também sobre drogas, amizades, viagens e sua rotina. Em todas as respostas, aquele senhor de quase 70 anos se mostrou bem humorado, simpático, solícito e disposto a alimentar o personagem de beberrão desregrado. Um grande contador de histórias (é ele o personagem principal de várias dessas excelentes histórias, afinal), que minutos depois seria descrito pela equipe do 2º Caderno como "a companhia perfeita para um churrasco". Confortável na posição de representante da trinca "sexo, drogas e rock 'n' roll", ao ser questionado sobre sua maior lembrança do Brasil, Lemmy contou de uma transa no banco de trás de um táxi, no Rio de Janeiro. A cada história engraçada, ria alto, tossia e, às vezes, precisava de um tempo para recuperar o fôlego. Um senhor, enfim.
Dias depois, voltei a lembrar da entrevista. No palco do Estádio do Zequinha, o Motörhead fez um show bom, mas morno, sem a energia típica do trio. Lemmy cantava as estrofes de maneira mais breve do que nas gravações, se afastava do microfone em momentos importantes, se mexia quase nada no palco. Dias antes, a banda havia cancelado um show em São Paulo por problemas de saúde do vocalista. Lembrei das respostas curtas que ele havia me dado naqueles 15 minutos de conversa – mais por falta de ar do que de disposição –, da voz oscilante, dos intervalos em meio às frases para buscar oxigênio, do "hi" arrastado e sombrio. No texto que abria a entrevista publicada em ZH, escrevi que Lemmy "aparentava fadiga". Pois esse acabou sendo um dos últimos shows da história do Motörhead – que, sem seu vocalista e baixista, deve acabar – e o último da banda no Brasil.
"But that's the way I like it, baby, I don't wanna live forever", diria Lemmy.