Em outubro de 2014, Jupiter Apple recebeu a reportagem de Zero Hora para uma entrevista no apartamento do amigo e produtor musical Lucas Hanke. Estava de volta a Porto Alegre depois de um ano e meio se limpando em uma clínica de reabilitação, no interior de São Paulo. Por trás da farta barba ruiva, transpirava confiança:
– Comecei a escrever a minha autobiografia. É tanta história pra contar que vai ser épico, três volumes em capa dura com putaria, acordes, músicos, cineastas, atrizes.
Não deu tempo. Na noite desta segunda-feira, o músico morreu, de causa ainda desconhecida. Tinha 47 anos, a maior parte deles dedicados a construção de uma carreira marcada pelo experimentalismo musical e estético, que começou para o grande público com o TNT, em 1984. Uma das bandas fundadoras do chamado rock gaúcho, o então Flávio Basso empunhava sua guitarra ao lado de Nei Van Sória (guitarra), Charles Master (baixo) e Felipe Jotz (bateria), com quem gravou duas músicas para a coletânea Rock Grande do Sul: Entra Nessa e Estou na Mão, ambas composições de Basso com Master.
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O disco, que abriu as portas do mercado fonográfico para a música pop feita no Rio Grande do Sul, jogou luz sobre a banda, que aliava rockabilly e punk. Mas no mesmo ano do lançamento do álbum, em 1986, Basso e Van Sória se desligaram do grupo para formar outra quimera do rock feito no Rio Grande do Sul, os Cascavelletes.
A nova banda ganhou projeção nacional depois de botar uma música na novela Top Model (a irreverente Nega Bombom), em 1989, mas a praia de Basso era outra – mais experimental, mais psicodélica. Adotando o pseudônimo de Júpiter Maçã, ele lançaria um dos discos mais celebrados do rock brasileiro, A Sétima Efervescência, em 1997, que continha faixas como Um Lugar do Caralho, As Tortas e as Cucas e Essência Interior. Dois anos depois, mudaria o sobrenome artístico para Apple para cantar em inglês o repertório de Plastic Soda, onde flertava com a bossa nova sem jamais perder a essência lisérgica.
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Os anos 2000 foram menos produtivos, com Júpiter enfrentando problemas cada vez maiores com álcool e drogas. Mesmo assim, lançou o experimental Hisscivilization (2002) e um dos grandes discos da década passada, Uma Tarde na Fruteira (2007), onde interpretou temas que se tornaram hits instantâneos como A Marchinha Psicótica de Dr. Soup e Little Raver.
Depois disso, lançou singles esporádicos, como Calling All Bands e Modern Kid. Em 2015, lançou os singles They're All Beatniks e Constantine's Empire, que indicavam um caminho pelo folk. A fase, ele mesmo definiu, naquela entrevista de 2014:
– Eu era Woody Apple, com a psicodelia me tornei Jupiter Apple e agora voltei a ser Woody Apple.
Rest in peace, man.
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