Há quem diga que toda arte é política, mesmo aquela que finge não transmitir determinados valores e visões de mundo. Mesmo assim, há realizações que se destacam pelo - assim dizer - engajamento, palavra que entendo aqui em um sentido positivo. No nosso imaginário, arte engajada remete à produção contestatória da época da ditadura, que supostamente estaria hoje anacrônica. Talvez fosse até melhor buscar outra designação, mas o fato é que sempre precisamos de criações que dialoguem diretamente com o presente e não se apeguem a generalizações ditas universais ou atemporais que descaracterizariam o teor histórico de qualquer obra.
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Apresentada na segunda-feira à noite, no Parque do Aeromóvel, em frente à Usina do Gasômetro (com previsão de nova sessão na terça), a intervenção cênica Cidade Proibida traz não apenas a oportunidade de o público ocupar praças e parques que provavelmente não frequentaria à noite por motivos de segurança, como marca um passo diferente para a Cia. Rústica, que estreou o trabalho no final de 2013 e recentemente ganhou o Prêmio Braskem Em Cena de melhor espetáculo pelo júri popular. Diferentemente de outras produções da companhia, esta não conta uma história, mas apresenta uma sequência de performances motivadas pela seguinte interrogação: que cidade queremos para viver? Não é uma pergunta meramente retórica. Em determinado momento, os performers ofereceram o microfone para o público se manifestar. A provocação do ator Heinz Limaverde era: o que você venderia na sua cidade e o que você não venderia de forma alguma? É um bom tema para a leitora e o leitor irem pensando aí com seus botões.
É lugar-comum dizer que a tarefa da arte não é oferecer respostas, e sim fazer perguntas. Mas artistas e espectadores chegaram a algumas boas ideias, as quais não pretendo reproduzir aqui para não estragar a graça e a surpresa do espetáculo - também porque as respostas são provavelmente diferentes em cada lugar nos quais a Cia. Rústica se apresenta, criando uma verdadeira polifonia.
Fiquei pensando que o gesto, tão usual em muitos espetáculos, de oferecer o microfone para o público adquire um caráter revolucionário nesse contexto de debate sobre a cidade porque, no fundo, é o que gostaríamos que nossos governantes fizessem conosco. Ali, sentados na grama, sentimos que, durante uma hora e pouco, a cidade era realmente nossa.
Performances
A cidade que queremos
O colunista escreve quinzenalmente no 2º Caderno
Fábio Prikladnicki
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