Na tarde desta quinta-feira, na Sala Oeste do Santander, dois professores e ex-patronos, Jane Tutikian e Luiz Antonio de Assis Brasil, recepcionaram um dos grandes escritores portugueses em atividade, Almeida Faria. Ao longo de uma conversa de uma hora, Faria apresentou impressões sobre sua obra - reconhecida como inovadora em Portugal e que agora, depois de um longo hiato fora de catálogo - volta a ser editada no Brasil.
Assis Brasil abriu o encontro com uma comparação entre um livro de Almeida Faria, O Conquistador, publicado em 1990, e o trecho final fim de A Ilustre Casa de Ramires, de Eça de Queirós, no qual o clássico autor português compara a obra de um escritor com o próprio Portugal cheio de questões. Assis perguntou então a Almeida Faria se ele ainda considerava Portugal uma questão a ser resolvida na ficção, como na prosa clássica lusitana e na obra de Eça.
- Portugal será sempre um problema para seus escritores - respondeu o escritor português.
Na sequência, o autor lembrou o persistente mito do Sebastianismo, a lenda de que o rei Dom Sebastião, desaparecido na batalha de Alcácer-Quibir, voltaria para resgatar Portugal. Um mito que se espalhou mesmo pelo Nordeste brasileiro.
- Esse é um dos grandes mistérios de Portugal. Como aquele país tão pequeno conseguiu recuperar sua independência da Espanha, se a Catalunha só agora parece que poderá fazê-lo. E o Brasil é talvez o maior milagre de Portugal. Por o Brasil existir, nossa língua hoje tem outra importância, outro número de falantes. - comentou.
Jane Tutikian perguntou sobre a natureza fragmentária dos primeiros livros de Almeida Faria - Rumor Branco (1962), escrito quando o autor tinha 19 anos e que foi recebido como revolucionário, e A Paixão (1965), recentemente reeditado no Brasil pela Cosac Naify. Faria lembrou que os escreveu ainda como estudante, e seguindo um impulso de revolta.
- Meus primeiros livros são um grito de protesto pela situação que se vivia, como a ditadura, e demonstravam uma paixão de investigar o mundo interior dos personagens. Na época, achei que o fragmento era o melhor modo de o fazer, até porque no mundo de hoje acontece tanta coisa ao mesmo tempo que achei que o fragmento era a melhor maneira de redigir essa história.
Ao responder a uma pergunta da plateia sobre o que unia e o que separava as literaturas brasileira e portuguesa, Almeida Faria comentou como o trânsito recíproco entre ambas se reduziu um tanto depois da redemocratização de ambos os países.
- Quando havia a ditadura salazarista, escritores brasileiros eram muito lidos em Portugal: Erico Verissimo, Jorge Amado, José Lins do Rego. Eram lidos por um impulso de libertação, a literatura brasileira era mais livre, o Brasil vivia a democracia anterior ao Golpe Militar. Hoje, eles são menos lidos. Assim como aqui no Brasil os dois autores portugueses mais lidos são Fernando Pessoa e Saramago. Autores como eu, Lidia Jorge, Lobo Antunes, não seremos sucesso de público, porque há esses dois e isso basta. O contrário também é válido. Rubem Fonseca é um autor muito vendido em Portugal, mas não tanto quanto os outros que citei antes.