Há dias meu pai mostrou um e-mail que enviou à feira agropecuária da cidade onde mora. O texto expressava sua indignação com a programação de shows do evento, que não contemplava nenhum de temática regional e apenas uma banda do Rio Grande do Sul.
Agropecuarista e "servivente" deste lugar, não se sentiu representado pelos shows quando entende que um evento assim, além de incentivar e valorizar quem produz o alimento, deveria ser espelho das pessoas do lugar e de seus costumes. Então, por que tais eventos não são fomentadores do mercado da música daqui?
São contratados muitos shows do "cenário nacional", de custos altíssimos e questionável gosto popular (afinal, o que é popular?) com o argumento de "levar mais gente". Esse é o único caminho possível? Estamos cientes do preço que a arte gaúcha paga por isso?
Nessa reflexão proposta há alguns dias sobre a perda criativa do nativismo, com a qual concordo, outros pontos vieram à tona. A ideia não é desvalorizar o movimento, mas tratar de questões estéticas.
Pensando sobre isso e sobre as palavras de meu pai, percebo que o mercado e a maneira como ele se estabeleceu para a produção artística local talvez tenha uma parcela grande na responsabilidade da escassez criativa.
Não é novidade que os festivais são importantes na sustentabilidade de músicos daqui, para manter casa e família a partir dos "pilas" do final de semana. E talento não falta em todos os estilos. Nossa cena musical é rica e diversa: do samba ao rock, muito talento e pouco palco (que não apenas o da noite).
Uma reunião de músicos em Porto Alegre discutiu questões como essa. Apresentei uma sugestão: será que o incentivo à cadeia produtiva da música - que envolve diversos segmentos e elos - poderia partir de alguma parceria do Estado com os eventos? Algum tipo de incentivo à contratação de artistas locais?
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Juarez Fonseca: qualidade das músicas dos festivais gaúchos nunca foi tão baixa
Desconto de imposto, linha de financiamento específica para esta ou aquela feira que mantenha uma programação priorizando artistas daqui?
É possível fomentar um cenário que reúna diversidade, qualidade, oportunidade de trabalho e sustentabilidade. Quem sabe isso devolva aos festivais seus palcos de experimentação e criatividade.
Coluna Pampianas
Shana Müller : música, criativade e mercado
A colunista escreve mensalmente no Segundo Caderno
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