Em um belo dia de 1994, Carlos Eduardo Miranda acordou, bateu os olhos no jornal e pensou: "Nossa, eu sou louco, velho. Sou louco". E foi para a igreja rezar.
Na época, Miranda estava em tratativas para a fundação do Banguela Records, selo ligado à Warner Music orientado para a cena independente. Como a gravadora não se mexia, o produtor gaúcho decidiu chamar os jornais e confirmar o início dos trabalhos, em parceria com os Titãs. Quando uma reportagem foi publicada, bateu o desespero.
Essa passagem está no documentário Sem Dentes - Banguela Records e a Turma de 94, que terá sessão única às 20h30min nesta sexta, na Sala P.F. Gastal da Usina do Gasômetro, em Porto Alegre. Além de confirmar o estilo camicase do produtor musical, o episódio define bem o período que marca o divórcio entre o rock e a indústria musical no Brasil.
Orientado pela ascensão e queda do Banguela, o filme oferece um panorama generoso de um momento que originou bandas díspares em sonoridade e geografia - e ao mesmo tempo semelhantes em intenções -, como Raimundos, Skank, Mundo Livre S/A, Planet Hemp e Graforréia Xilarmônica. Músicos, jornalistas e produtores que participaram do processo (entre eles, Samuel Rosa, do Skank, André Forastieri, da revista Bizz, e Gastão Moreira, da MTV) dão suas versões dos fatos.
Conhecimento de causa também não faltou ao diretor, o jornalista Ricardo Alexandre, autor dos livros Dias de Luta - O Rock e o Brasil dos Anos 80 e Cheguei Bem a Tempo de Ver o Palco Desabar - Causos e Memórias do Rock Brasileiro (1993 - 2008), que explora bem seus entrevistados. O que faltou, mesmo, foi concisão.
Algumas histórias, como a da gravação do disco do Mundo Livre S/A, poderiam tomar menos tempo. Menor também poderia ser a lavação de roupa suja entre Miranda e os Raimundos, que saíram do Banguela para a Warner logo depois de lançar o primeiro disco. São histórias que mereciam, se muito, uma nota de rodapé quando comparadas à importância do selo como um todo. Pelo menos um quarto das duas horas poderia ser cortado sem prejuízo.
De qualquer forma, Sem Dentes mais acerta do que erra, sendo especialmente corajoso ao incluir a declaração final de Samuel Rosa. Para o vocalista do Skank, apesar de revolucionária, a turma de 1994 acabou falhando em não plantar corretamente a semente do rock para as futuras gerações. Deu no que deu. Mas foi bom enquanto durou.
Sem Dentes - Banguela Records e a Turma de 94
De Ricardo Alexandre
Documentário, Brasil, 2015,
120 minutos.
Sessão única nesta sexta, às 20h30min, na Sala P.F. Gastal da Usina do Gasômetro. Entrada gratuita com distribuição de senhas 15 minutos antes da sessão.
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Gustavo Brigatti
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