Ela disse sim, mas logo ficou apavorada. Adriana Calcanhotto aceitou de cara o convite do projeto Unimúsica, da UFRGS, para montar em Porto Alegre no ano passado um show em homenagem ao centenário de Lupicínio Rodrigues (1914 - 1974). Em seguida, porém, a cantora e compositora sentiu o peso da responsabilidade de prestar um tributo à altura de um dos maiores nomes da música brasileira.
- Pode parecer estranho, mas Lupicínio não é uma zona de conforto para mim. Ele tem muitas camadas, é muito mais do que apenas o mestre da dor de cotovelo. Além disso, todas as circunstâncias do projeto, noite única em Porto Alegre, no Salão de Atos da UFRGS, tornaram tudo ainda mais desafiador. O que foi ótimo! - explicou a intérprete em entrevista por telefone, desde o Rio de Janeiro, durante evento para imprensa de lançamento de Loucura, registro em CD, DVD e Blu-Ray dessa apresentação de 4 de dezembro de 2014.
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Passado o susto inicial, a porto-alegrense tratou de pesquisar o repertório do conterrâneo Lupicínio - cujo "micróbio" ela diz ter pego ainda pequenininha. Desse mergulho em sambas, canções, sambas-canções, boleros, guarânias e marchas, Adriana emergiu com 17 músicas representativas do cancioneiro lupiciniano - incluindo clássicos como Vingança, Cadeira Vazia, Nervos de Aço, Volta, Nunca, Judiaria e Se Acaso Você Chegasse.
- Fui gestando esse show em paralelo a outros projetos que estava fazendo. Comecei ouvindo os discos do Lupicínio do selo Revivendo, que trazem gravações pré-bossa nova, que era o que eu queria. Nunca achei que o convite fosse para fazer um show de desconstrução, mas sim de homenagem. Ouvi coisas com as quais eu não era tão familiarizada e descobri gravações e mesmo músicas dele que não conhecia. Cenário de Mangueira, por exemplo, eu não tinha ideia de que existisse - lembrou Adriana.
O clima de boemia é evocado na cenografia e no figurino: entre mesas, cadeiras e copos, Adriana assume a postura circunspecta de crooner, cantando de smoking ao lado da banda - formada por Cézar Mendes (violão), Dadi Carvalho (violão), Jessé Sadoc (trompete e flugelhorn) e Alberto Continentino (contrabaixo). Esse regional de bambas é complementado pelos convidados especiais Arthur de Faria (acordeom), Arthur Nestrovski (violão) e Cid Campos (violão).
- Pensei em uma formação possível para quando se está tocando em uma mesa de bar.
Respeitando a sonoridade da época em que as canções foram compostas, os arranjos passam ao largo de releituras ou ousadias, restritas a momentos pontuais - como em Volta, que virou um blues com Cid tocando dobro, e com o trompete de Jessé dando um toque caribenho em Cevando o Mate. Um dos mais belos momentos do show é a interpretação de Esses Moços, em que Nestrovski enxerta um trecho de Carinhoso. Graças a sua presença de palco sempre carismática, a tricolor Adriana conseguiu até unir as torcidas rivais gaúchas executando o hino do Grêmio. Ficou para os extras a verdadeira transgressão dessa celebração excessivamente reverente: o samba Cenário de Mangueira foi transformado em um divertido funk carioca, cheio de efeitos pilotados pelo músico Domenico Lancellotti.
- O DVD registra um momento especial. Fizemos apenas um ensaio com todos os músicos juntos, na véspera. Estamos todos nos ouvindo ali, não há nada no automático, o tamanho dos solos foi determinado na hora. Eu tenho medo de fazer uma turnê e estragar tudo. É uma noite única, em todos os sentidos - resumiu Adriana.
Repertório do DVD
Homenagem
Ela Disse-me Assim (Vá Embora)
Loucura
Castigo
Vingança
Cadeira Vazia
Quem Há de Dizer
Nervos de Aço
Esses Moços
Volta
Nunca
Judiaria
Felicidade
Se Acaso Você Chegasse
Cevando o Amargo
Hino do Grêmio Foot-Ball Portoalegrense
Cenário de Mangueira
SERVIÇO
LOUCURA
De Adriana Calcanhotto
Sony/BMG, 17 faixas, R$ 24,90 (CD) e R$ 34, 90 (DVD).
Cotação: Bom
* Segundo Caderno
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