Autor de uma das mais polêmicas biografias do país, o jornalista Paulo Cesar de Araújo acompanhou de perto o julgamento que eliminou a necessidade de autorização prévia para publicação de obras biográficas no país. Ele esteve nesta quarta-feira no Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, atento à sessão em que os ministros julgaram como parcialmente improcedentes os artigos 20 e 21 do Código Civil a respeito do tema.
Em 2007, Araújo viu seu livro Roberto Carlos em Detalhes ser recolhido das livrarias depois de uma ação movida pelo cantor. Nesta quarta-feira, logo depois do julgamento, Zero Hora falou com o biógrafo, que demonstrou estar otimista com a decisão do STF e encorajado a relançar o livro proibido.
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A decisão do STF anula a necessidade de autorização prévia para a publicação de biografias, mas com a possibilidade de que podem procurar a Justiça biografados que se sintam prejudicados pela exposição de sua intimidade, mesmo que as informações divulgadas tenham sido levantadas licitamente. Nesse sentido, o senhor avalia que a decisão da corte foi uma vitória parcial?
Não, não foi parcial de modo algum. A impressão que tive foi que os ministros enfatizaram o direito de recorrer ao judiciário, mas em situações especialíssimas, se houver um dolo em véspera de eleição, se alguém publicar algo com determinado intuito (negativo para o biografado). Mas são situações especiais, muito diferente do quadro que conhecíamos até então, no qual a proibição poderia ocorrer por mera sensibilidade exacerbada, por um biografado não querer falar sobre seu pai ou outro personagem. Acho que isso não se sustenta mais, pelo que entendi das leituras dos votos e justificativas. Dos livros que foram proibidos recentemente, nenhum deles se enquadra nessas situações citadas.
Mas ainda fica subjetivo o que pode ou não ser objeto de ação judicial.
É difícil mesmo especificar objetivamente, fala-se mais em tese, de um modo mais geral. Acho que ali (no julgamento) ficou clara a prevalência da liberdade de expressão em relação à intimidade. Por isso, será difícil que, com esse argumento de invasão de privacidade, proíbam-se livros.
A decisão foi surpreendente?
Me surpreendeu. Estava esperando um meio-termo, uma coisa mais vaga. Também não esperava unanimidade, então confesso que fiquei agradavelmente surpreso com a suprema corte do país.
Em sua fala, Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, advogado do Instituto Amigo, de Roberto Carlos, citou a hipótese de que alguém que foi alvo de um crime não queira ter este episódio traumático citado em uma biografia escrita pelo criminoso. Esse seria um caso extremo, no entanto, é possível que alguém busque reparação por algo menos radical.
O Kakay citou um caso especialíssimo. Nenhum dos livros proibidos no Brasil se enquadra nessas condições. O próprio Kakay, ao falar, não deu um exemplo do Roberto Carlos, do tipo "Não, o Roberto Carlos não gosta que falem que ele usava marrom". Ele usou um caso absurdamente extremo. Então, ficamos nisto: não há nenhum direito absoluto, nem a liberdade de expressão, nem a privacidade, porém há uma preferência pela liberdade de expressão. Confesso a você que não imaginava mais que isso.
O senhor agora fica à vontade para relançar a biografia Roberto Carlos em Detalhes?
Meu livro foi proibido por dois artigos aberrantes em relação às biografias (os artigos 20 e 21 do Código Civil), que agora foram varridos com a decisão do STF. Não tem mais cabimento esse livro continuar proibido. Será uma aberração sem limites.
O senhor não teme que os advogados do Roberto Carlos entrem na Justiça?
A Justiça está aí para isso. O Supremo enfatizou o direito de todos entrarem na Justiça. Eles podem entrar. Acabei de sair do julgamento, vou sentar com meus advogados e ouvir juristas para saber que medida tomar, qual é o caminho para seguir com meu livro. Agora, imagine que, um dia após a abolição da escravatura, alguém fale: "Não, senhor, meus escravos vão continuar escravos porque tenho um acordo com eles e, por livre e espontânea vontade, eles combinaram comigo que seguirão assim". O livro continuar proibido seria parecido com isso, uma situação absurda, aberrante.
É um momento de otimismo?
Claro, estávamos em uma treva, sem saída. Nós tínhamos que ouvir argumentos como os defendidos pelo Dody (Sirena, empresário do Rei) nesta quarta-feira na Folha de S. Paulo, afirmando que a privacidade de uma celebridade é um patrimônio comercial, algo como uma marca. Estávamos diante desse nível de argumentação.
Seria a propriedade privada da história coletiva?
Exatamente. E ele encontrava juízes que concordavam com ele por conta dos artigos do Código Civil. Mas esse entulho autoritário foi varrido. É claro que muitas pessoas continuarão pensando assim, o Dody Sirena não vai mudar de opinião por causa disso, mas ele não encontrará mais respaldo na Justiça para defender ideias como essa, segundo manifestou hoje o STF.