Aos 84 anos, Cauby Peixoto tem estado nas manchetes. Primeiro por seu afastamento para tratar do diabetes (com internações entre fevereiro e março), depois pelo lançamento do disco Cauby Sings Nat King Cole (disponível desde abril).
A estreia do documentário Cauby - Começaria Tudo Outra Vez, marcada para esta quinta-feira em todo o país (em Porto Alegre, o longa terá sessões de pré-estreia no fim de semana), tem atraído novamente as atenções para o cantor, graças a um trecho específico do filme. A câmera do crítico e cineasta Nelson Hoineff registra aquele que, anuncia-se, é seu primeiro depoimento sobre suas experiências homossexuais.
Sentado à cama, no quarto pequeno de seu apartamento em Higienópolis, São Paulo, Cauby narra descobertas de adolescente junto a outros meninos, que considerava "muito naturais". O choque - que praticamente não tem obtido repercussão - é o que vem a seguir, quando diz que logo deixou de lado "as bobagens de garoto" e começou a "andar direito", relacionando-se com mulheres.
Pessoas próximas e pesquisadores como o biógrafo Rodrigo Faour na sequência atestam que o intérprete, um dos maiores do país, "reprimiu-se a vida inteira".
- Cauby é muito fechado - descreve Hoineff. - Nas primeiras entrevistas que fizemos, não dizia nada. Não fosse o (também cantor) Agnaldo Timóteo, que conversou com ele e deu algumas pistas para adentrar na sua intimidade, talvez eu tivesse desistido do projeto.
Além desse momento revelador, Cauby, o filme, tem ao menos duas outras passagens marcantes: no início, quando o vemos maquiando-se, e nas sequências finais, antes de subir ao palco. Em ambos os casos, impressiona a transformação do sujeito pacato, de fala mansa, que raramente se abre, em um homem performático, de voz imponente e enorme força expressiva.
- Essa transformação é muito impactante - afirma o diretor, falando a ZH desde o Rio de Janeiro.
Não vá ao cinema, no entanto, esperando uma biografia detalhada do cantor. Realizador de documentários recentes sobre Paulo Francis (Caro Francis) e Chacrinha (Alô, Alô, Terezinha!), Hoineff foca períodos específicos da trajetória de Cauby, como a mudança para os EUA, nos anos 1950, e a contraditória parceria com o empresário Edson Colaço Veras, o Di Veras - responsável pelo fato de o cantor "não ter enriquecido", conforme palavras de Agnaldo Timóteo, referendadas por outros entrevistados. Na maior parte do tempo, por meio de imagens de arquivo, Hoineff deixa-o cantar.
Bastidores e New York, New York aparecem quase na íntegra em colagens de performances de várias épocas. Sozinho Espero é executada em off, sobre imagens da São Paulo atual. Tudo Lembra Você e Loucura são apresentadas em performances únicas, antigas. Conceição, com um trecho de show mais recente. Esta última volta, em dois outros momentos, em off e em colagens de outros shows.
Os fãs vão gostar. O público mais distante, talvez nem tanto. É que tudo está amarrado de maneira um tanto frouxa, inclusive quando se trata de temas aos quais Hoineff dedica bastante tempo - Di Veras, por exemplo, segue sendo uma figura misteriosa mesmo depois dos 90 minutos de filme. Fãs ouvidos pouco acrescentam, e a dramatização da vida de um jovem admirador, cuja obsessão por Cauby é repreendida pela mãe, rende um instante de constrangimento.
De todo modo, a dimensão daquele que, para muitos, é o maior cantor do Brasil, está ali. Inclusive para atestar que Cauby, o personagem, é mais interessante do que este documentário a ele dedicado.
Cauby - Começaria Tudo Outra Vez
De Nelson Hoineff
Dcoumentário, Brasil, 2013, 90 minutos, 12 anos.
Estreia nesta quinta-feira nos cinemas.
Cotação: 2 estrelas (de 5).