A ditadura imposta na Argentina pelo golpe militar de 1976 é um tema recorrente em bons filmes do cinema argentino produzidos nas últimas décadas. Esta permanente lembrança não deixa cicatrizar a ferida aberta pela selvagem repressão que teve como saldo milhares de opositores mortos e desaparecidos - e que, diferentemente, do Brasil, resultou na punição de criminosos das mais graduadas esferas do poder.
O Olhar Invisível ilumina o tema por meio de um recorte específico: a convulsão que a Argentina vivia no começo de 1982, quando o agravamento da crise econômica, social e política ecoava nas ruas. O filme dirigido por Diego Lerman foi apresentado na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cinema de Cannes de 2010, mas só agora chega a Porto Alegre, com sessões a partir desta quinta-feira no CineBancários.
Lerman espelha esse momento de tensão no começo do ano letivo no tradicional Colégio Nacional de Buenos Aires, localizado nos arredores da Casa Rosada. Ali, lembra o filme, estudaram figuras proeminentes da história argentina. Para zelar pela disciplina, a escola conta com uma equipe de inspetores, da qual faz parte a jovem María Teresa (Julieta Zylberberg). Ela cumpre seu ofício inflamada por seu rigoroso chefe, Senhor Biasutto (Osmar Núñez), que ali está (ou pode ser assim visto) como representante do braço forte do regime.
Para Biasutto, a subversão é um câncer e deve ser combatida em seu estágio inicial. Gravatas fora do lugar, filas desalinhadas e convescotes inapropriados estão na mira do olhar vigilante de María. Como uma agente policial, ela percorre corredores interpelando alunos e pedindo nomes e identidades de suspeitos.
Com matriz no livro Ciências Morais, de Martin Koham, O Olhar Invisível destaca a perturbação que o trabalho traz a María. Ao se esgueirar por vestiários e banheiros masculinos em busca de transgressões, ela acredita estar cumprindo a missão que lhe foi confiada, mas também demonstra um desvio comportamental por conta da sexualidade reprimida.
Biasutto vai se valer da fragilidade emocional e física da subordinada para mostrar a mesma faceta monstruosa e fria daqueles que torturam e assassinam nos centros clandestinos de detenção espalhados pela cidade. A tomada de consciência de María para a brutalidade ao seu redor vai coincidir com o início da Guerra das Malvinas, em 2 abril daquele ano. Foi a desesperada e quixotesca ação dos militares para unir o povo em fervor patriótico. Porém, a rápida e humilhante derrota para os britânicos marcou o início do fim da ditadura, mas não de seus efeitos no imaginário coletivo da Argentina.
O Olhar Invisível
De Diego Lerman
Drama, Argentina, 2010, 97min, 14 anos.
Cotação: bom
5 filmes sobre a ditadura militar na Argentina
A História Oficial (1985)
O longa de Luiz Puenzo, ganhador do Oscar de filme estrangeiro, conta a história de uma mulher (Norma Aleandro) que desconfia que sua filha adotiva teve os pais assassinados pelos militares.
A Noite dos Lápis (1986)
O diretor Hector Oliveira reconstitui a história de um grupo de jovens estudantes da cidade de La Plata que, em 1976, após um protesto, foram presos, torturados e assassinados pelos militares.
Kamchatka (2002)
A fuga de um casal perseguido pela repressão (papéis de Cecilia Roth e Ricardo Darín) é vista pelos olhos do filho de 10 anos. De Marcelo Piñeyro.
Crônica de uma Fuga (2005)
Adrián Caetano encena a história real de um goleiro de futebol sequestrado e enviado para um centro de tortura, onde planeja uma improvável fuga.
Infância Clandestina (2011)
Benjamín Avila relembra a luta dos pais, guerrilheiros montoneros que se lançaram em uma luta suicida contra os militares no final dos anos 1970.