Lupicínio parece ter sido o primeiro a criar uma mitologia em torno de si. As histórias das canções que ele contava em crônicas e entrevistas correspondiam à verdade?
O que se sabe é que as suas composições eram geralmente inspiradas em fatos vividos por ele ou por seus "camaradinhas", ou seja, gente que fazia parte do seu dia a dia. Mas as informações deixadas por essas fontes - a maioria já falecida - nem sempre são lá muito confiáveis. Para se chegar mais perto de uma "verdade" sobre Lupicínio, foram fundamentais os registros deixados pelo jornalista Hamilton Chaves e pelo cantor Orlando "Johnson", por exemplo, que sempre demonstraram uma visão lúcida e precisa sobre o homem e o artista. Outra boa fonte foi o caçula Robinson Rodrigues, 90 anos, único irmão de Lupi ainda vivo.
De acordo com sua pesquisa, quais eram os conhecimentos de teoria musical de Lupicínio? Costuma-se dizer que ele compunha apenas assobiando.
Praticamente todos os registros e depoimentos apontam para um gênio intuitivo que, mesmo sem conhecimento de teoria musical e com estudo formal limitado ao Primário incompleto, soube converter pequenos e grandes dramas existenciais em letras e músicas que eventualmente atingem um grau bastante sofisticado dentro do cenário pré-bossa nova. Um dado curioso é que uma revista carioca dos anos 1950 chegou a publicar uma foto de Lupi tocando violão, mas a imagem não passava de "cascata" editorial. Vale lembrar que Lupi compunha assobiando a melodia e anotando as letras em guardanapos e pedaços de papel, mas, na hora de "passar para o papel" as melodias e harmonias, esteve sempre escoltado por craques do violão, como Ney Orestes, Alcides Gonçalves, Raul Lima, Jessé Silva e Darcy Alves.
Pelo que você pesquisou, a história de que o hino do Grêmio foi composto em uma greve dos bondes se confirma?
De fato, o hino oficial do Grêmio foi composto em junho de 1953, em meio a uma greve geral dos motoristas, motorneiros e cobradores de ônibus e bondes das empresas Carris, Soul e Teresópolis. A paralisação dificultou o acesso da torcida à então sede do clube, o Estádio da Baixada, no bairro Moinhos de Vento. Diferentemente do que muito se disse desde então, o tema tricolor não foi escolhido em um concurso, mas encomendado a Lupicínio - gremista fanático - por Ernesto Cros Valdez, advogado e cronista do Diário de Notícias. O novo tema foi um "estouro" e ainda hoje é, provavelmente, a composição mais executada de Lupicínio, que teria recebido por esse trabalho apenas uma cadeira no Olímpico - que pouco usou, pois gostava mesmo da arquibancada geral.
Uma passagem pouco comentada da vida do compositor foi sua candidatura a vereador. Quais eram as motivações?
Em 1959, Lupicínio aceitou um convite para concorrer pelo Partido Republicano (PR), uma sigla pequena e que, no Rio Grande do Sul, também servia de refúgio para comunistas do PCB. A plataforma política do compositor era meio difusa, mesclando temas como exploração pelo capital estrangeiro, a alta do custo de vida e a preocupação social com os trabalhadores da noite, numa espécie de "nacionalismo boêmio". Mas a população não comprou a ideia, e o resultado foram míseros 396 votos, que não davam nem para a saída. Lupi nunca mais concorreu a um cargo eletivo.
Entre as informações sobre Lupicínio que você buscou, quais não conseguiu obter de forma alguma?
Entre elas, destaco as diversas letras e músicas perdidas pela falta de registros escritos ou gravados, de tal forma que hoje se conhece apenas os seus respectivos títulos e épocas de criação. Também ficou incompleto o levantamento sobre os bares, as boates e os restaurantes dos quais Lupi era o dono: apesar da busca exaustiva por informações permitir a identificação de nomes e períodos de funcionamento, não foi possível precisar a localização e outros detalhes de alguns desses estabelecimentos.
O mito do compositor
"O próprio Lupicínio contribuiu para alimentar o folclore em torno de si, com declarações vagas, imprecisas e reticentes sobre alguns temas, além de insistir em teses estapafúrdias, como a de que o seu sucesso nacional havia sido impulsionado pelos marinheiros que aprendiam os seus sambas em Porto Alegre e os levavam na ponta da língua para o Rio de Janeiro, quando na verdade essa projeção teve como verdadeiros protagonistas os cantores - primeiramente, os gaúchos; depois, os de fora do RS - que apostaram no potencial das primeiras obras de Lupi, em festivais, transmissões e gravações."
Almanaque do Lupi
De Marcello Campos
Editora da Cidade/Letra&Vida, 100 páginas, R$ 40.
Lançamento na quinta-feira, às 19h, na Biblioteca Municipal Josué Guimarães (Erico Verissimo, 307), em Porto Alegre. Haverá apresentação musical com Álvaro RosaCosta e Mathias Pinto. Na ocasião, o livro será vendido por R$ 35.
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