Foi conduzido pela mão do diretor Jean-Marc Vallée que Matthew McConaughey e Jared Leto venceram os dois Oscar de atuação masculina, no ano passado, por Clube de Compras Dallas. Agora, o cineasta entrega a Reese Witherspoon - que vencera a estatueta de melhor atriz em 2006 por Johnny & June - um dos papéis da sua vida. Reese é a protagonista de Livre, adaptação da obra memorialística de Cheryl Strayed que estreia nesta quinta-feira no circuito.
No filme, assim como no livro, acompanhamos a transformação de Cheryl Nyland, que inclui a mudança de sobrenome (Strayed pode ser traduzido como "desgarrado", ou "errante"), após uma série de problemas pessoais, sobre os quais é melhor não falar para não entregar aquilo que Vallée e o roteirista Nick Hornby (o autor de Alta Fidelidade, ele mesmo) querem revelar só ali adiante.
Disposta a se reciclar, Cheryl percorre a Pacific Crest Trail (PCT), famosa trilha de 4,3 mil quilômetros pela costa norte-americana do Pacífico, do México ao Canadá. Como ela não tem experiência em trekking, e o tempo, em alguns pontos do trajeto, não ajuda, acaba cumprindo uma rota de 1,7 mil quilômetros. Isso durante três meses, aproximadamente.
São flashbacks em meio ao trajeto que nos contam sua vida pregressa. A narrativa está repleta deles, assim como citações literárias e até delírios, que entregam fatos objetivos de seu passado e escancaram sentimentos como culpa e a própria necessidade de reinvenção - que ela pretende que se dê em Portland, noroeste do país, destino final de sua caminhada.
Essa construção rende alguns tropeços, sobretudo por conta dos tiques moderninhos usados para manipular a emoção do espectador (a trilha sonora abafada para mexer com nossas noções de tempo e distância, por exemplo) e o excesso de pretensão de algumas sequências (as aparições da mãe da protagonista, já na parte final). Mas a direção de cena sóbria de Vallée trata de pôr tudo nos eixos: o diretor canadense de 51 anos extrai intensidade, em algumas cenas improvável, de Reese. E não apenas dela, mas também de uma ótima Laura Dern (intérprete de sua mãe) - Thomas Sadoski, o Don Keefer da série Newsroom, atuando no piloto automático como seu namorado, é o ponto dissonante do ótimo elenco.
Se algumas sugestões do roteiro de Hornby não funcionam, outras constituem boas sacadas para demonstrar o estado de espírito de Cheryl. É o caso da reiterada e instigante aparição de uma raposa, que a espreita em um trecho da trilha. O animal e a garota não chegam a interagir diretamente, mas o efeito que ele provoca nela - o medo seguido da vontade de enfrentá-lo - são bastante ilustrativos daquilo que está por trás de sua longa jornada.
Livre não chega a oferecer uma experiência radical como a de Na Natureza Selvagem (2007) - nem imagens impactantes como as do filme de Sean Penn -, mas a viagem à intimidade de sua personagem é recompensadora. E ainda tem, como bônus, uma trilha sonora marcante, com Stevie Ray Vaughn e Simon & Garfunkel, além de, já nos créditos finais, uma bela e inventiva cover de Walk Unafraid, do R.E.M., com o duo sueco First Aid Kit.
Em Livre, quando Vallée não a abafa, a música empolga.
Livre
De Jean-Marc Vallée.
Drama, EUA, 2014.
Duração: 115 minutos.
Classificação etária: 16 anos.
Estreia nesta quinta-feira nos cinemas.
Cotação: bom.