Uma bala no peito, raspando o coração, foi decisiva para desviar Paulo Eduardo do caminho da violência que consome muitos jovens como ele na periferia de São Paulo. Sobrevivente de um tiroteio na cidade de Osasco, em 2001, aos 15 anos, o rapaz inspirou um dos personagens do longa-metragem Na Quebrada, de Fernando Grostein Andrade, em cartaz a partir desta quinta-feira hoje em 204 salas de cinema do país.
O próprio Paulo Eduardo, que encontrou um rumo na vida graças a sua paixão pelo cinema, participa da produção como codiretor.
- Em 2011, fui convidado para participar de um projeto temático de curtas-metragens da revista italiana Colors, sobre pessoas que haviam levado um tiro em zonas de conflito - diz Andrade. - Conheci a história do Paulo Eduardo na ONG Criar e fiz dela o curta Cine Rincão. Entre 15 mil inscritos em todo o mundo, ficamos entre os 10 finalistas exibidos no Festival de Veneza de 2012.
Cine Rincão contava a experiência do jovem à frente do cinema comunitário que ele instalou em Osasco com apoio do Instituto Criar de TV, Cinema e Novas Mídias, entidade fundada em 2003 pelo apresentador Luciano Huck, irmão (por parte de mãe) de Fernando Grostein Andrade. Huck assina a produção de Na Quebrada.
Andrade, 33 anos, ficou conhecido pelos documentários em longa-metragem Coração Vagabundo (2008), sobre Caetano Veloso, e Quebrando o Tabu (2011), no qual colocou em discussão a descriminalização da maconha.
- Já fiz curtas de ficção e dirijo atores em comerciais, então o Na Quebrada não trouxe esse estranhamento de registro - afirma. - Até porque o filme tem uma pegada documental. As locações são nas mesmas regiões em que vivem jovens como Paulo, e parte do elenco é formada por integrantes de grupos de teatro comunitários. São elementos que garantem a autenticidade. Nas sessões que fizemos para jovens que conhecem bem essa realidade, a reação deles foi muito positiva.
Segundo o diretor, afora nomes como Gero Camilo, que faz uma participação especial e ajudou na preparação do elenco, e Felipe Simas (do longa Capitães de Areia), que vive Zeca, o personagem inspirado em Paulo Eduardo, Na Quebrada apresenta muitos atores no primeiro trabalho profissional diante de uma câmera.
A trama destaca um grupo de amigos que vive em uma violenta comunidade, entre eles Zeca, sobrevivente de uma chacina, e Gerson (Jorge Dias, filho do rapper Mano Brown), que tem o pai preso. Como na vida real, é o cinema que abrirá um caminho alternativo para eles.
Novo longa do diretor será rodado em NY
O roteiro de Na Quebrada foi escrito a partir de experiências vividas por jovens atendidos pelo Instituto Criar. Além de Paulo Eduardo, formado na oficina de edição da primeira turma da ONG (ele hoje trabalha no canal GNT), 25 alunos e ex-alunos da entidade participaram da produção do filme na frente e atrás das câmeras. O elenco conta ainda com detentos do grupo de teatro Do Lado de Cá, em cenas feitas em uma penitenciária de Guarulhos.
Andrade planeja seguir no terreno da ficção. Sem dar detalhes, antecipa que seu próximo longa deve ser rodado em Nova York. O diretor comenta ainda que seu polêmico projeto anterior segue rendendo assunto.
- Quebrando o Tabu ganhou versão em inglês, com narração do Morgan Freeman, foi vendido para 22 países e está na grade do Netflix. É um trabalho do qual me orgulho. Ajudou a colocar em discussão no Brasil um tema que é tratado na esfera criminal, mas que envolve também saúde, educação e cidadania. Temos um canal do filme no YouTube com 400 mil assinantes e que já soma mais de 10 milhões de acessos.
Na Quebrada tem patrocínio de Grupo RBS, Ipiranga, Riachuelo, Estácio e Fazenda da Toca Orgânicos e apoio de Gol e P&G.