Em 28 de junho de 1984, às 20h30min, as luzes foram apagadas e um silêncio ansioso substituiu o burburinho. Quinhentos convidados empertigados escutaram uma gravação emocionada de Eva Sopher, que havia passado os últimos nove anos como mestre de obras. O Theatro São Pedro voltava à vida após 12 anos fechado, e ela, no palco, sob aplausos, só conseguiu dizer:
- O espetáculo pode começar.
Trinta anos depois, ela lembra pouco daquela noite:
- Não estava sentindo nada porque estava dopadíssima. Ao invés de tomar um, tomei três tranquilizantes ao longo do dia. Teria sido uma emoção que eventualmente me faria fisicamente mal.
Quando as cortinas se abriram, a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre foi elevada do fosso para executar o Hino Nacional, seguido da Sinfonia Popular n°1, de Radamés Gnattali, regida pelo próprio. Depois, a companhia Cem Modos apresentou O Caso Térmita. Escrita para a ocasião, a peça relatava o julgamento de um cupim, acusado de provocar a interdição do São Pedro. Era baseada em fatos bem reais: em 1972, quando fechou as portas, a casa inaugurada em 1858 estava literalmente caindo aos pedaços. No ano anterior, um componente de um refletor havia despencado no palco, quase atingindo uma violinista japonesa. O prédio sofria com infiltrações e instalações elétricas precárias. Às revoadas de cupins somavam-se morcegos e ratos. O veredito da peça, entretanto, foi favorável aos animais. Concluiu-se que os verdadeiros culpados eram o descaso das autoridades e a burocracia.
Dona Eva explica que convidou o pequeno grupo porto-alegrense para a grande estreia porque corriam boatos de que o novo São Pedro jamais receberia companhias locais. Nos anos em que o casarão dormia, a cena teatral da cidade havia despertado para uma efervescência inédita.
- Havia uma movimentação teatral forte nos anos 1980, porém periférica, de grupos alternativos, de esquerda. Mas não havia integração da cidade com o teatro - conta Júlio Conte, diretor de Bailei na Curva, a primeira peça local a fazer temporada no novo TSP.
Na falta do São Pedro, os espetáculos ocorriam em espaços acadêmicos e de poucos lugares como o Clube de Cultura, o Teatro de Câmara e o de Arena. Peças de Rio e São Paulo tinham o Teatro Leopoldina (depois Teatro da Ospa) e o Cine Teatro Presidente. No fim dos anos 1970, surgiu o Renascença.
- Era um desespero, as pessoas não se apresentavam, simplesmente - lembra o jornalista e crítico de teatro Antonio Hohlfeldt.
Durante a reconstrução do São Pedro, Hohlfeldt lembra que dona Eva programava visitas de autoridades e celebridades ao teatro. Ele, na época jornalista do Correio do Povo, garantia a cobertura.
- Eu estava lá enchendo o saco, cobrindo, cobrando. Para cada um que chegava, a gente montava um esquema. Funcionava como pressão.
Desafio agora é o multipalco
Na opinião de Conte, a reabertura do São Pedro revolucionou a visão da Capital sobre a arte do teatro:
- A entrada em cena do São Pedro deu crédito para o teatro. Principalmente o local, porque as pessoas começaram e descobrir que teatro é uma coisa importante. A classe média começou a ir ao teatro.
Nos nove anos em que Dona Eva combateu promessas vazias, a população acompanhou pelos jornais as "reaberturas" sempre adiadas. Agora, a presidente do teatro busca operar outro milagre, o Multipalco. Em 2014, completam-se 11 anos desde que o complexo cultural começou a ser construído. A última projeção é de que seja inaugurado em 2015, caso entrem os R$ 16 milhões que faltam para a conclusão da obra.
Retorno triunfal
Uma noite depois da grande reabertura do TSP, Bibi Ferreira protagonizava Piaf, espetáculo premiado que a atriz apresentaria mais 40 vezes naquela histórica temporada. Ao subir no palco, ela disse ao público: "Não sou eu a protagonista, é o Theatro São Pedro".
- O teatro era muito mais importante do que cada um de nós. Sem ele, não existiríamos - recorda Bibi, hoje com 92 anos.
Ela ainda lembra da sensação de ver o São Pedro reerguido, como uma "joia valiosíssima, de uma forma tão brilhante, tão bonita". E de receber de uma Dona Eva preocupada com o frio daquele inverno chá quentinho para toda a equipe - 18 atores e quatro músicos.
Piaf seria primeira de muitas montagens que passariam a vir do centro do país. E, com elas, Fernanda Montenegro, Paulo Autran, Marília Pêra, Walmor Chagas, Antonio Fagundes, José Wilker e tantos outros artistas.
- Antes faltavam espaços! Em um estado como o Rio Grande do Sul, com uma realidade cultural tão importante para o nosso país, um espaço como esse é vital - diz Eva Wilma.
Nos últimos 30 anos, o velho Theatro São Pedro retomou um lugar central na vida cultural de Porto Alegre que lhe pertencia, por direito. Em fins do século 19, antes da I Guerra Mundial, a casa recebia companhias europeias que, no caminho de Buenos Aires, faziam escala na capital gaúcha. Depois, passou a abrigar espetáculos do Rio e São Paulo, onde a dramaturgia entrava em ebulição.
Em vídeo, Eva Sopher, Luciano Alabarse, Guri de Uruguaiana, Hique Gomez e Júlio Conte revelam histórias de bastidores do São Pedro:
Confira linha do tempo do casarão histórico do Theatro são Pedro: