A saída de Moraes Moreira dos Novos Baianos, em 1974, pode ser comparada à saída de Rita Lee dos Mutantes, dois anos antes: ambas representaram o início do fim das duas bandas mais originais da história do pop brasileiro.
Sem Rita, e mudando radicalmente seu som, os Mutantes lançaram três discos e se desfizeram em 1976. Sem Moraes, mas procurando manter a identidade original, os Novos Baianos lançaram três discos e se desfizeram em 1978. Principal letrista e alma dos Mutantes, Rita rompeu com seus parceiros.
Fundador (em 1969), compositor de quase todas as músicas e marca vocal dos Novos Baianos, Moraes saiu porque queria mudar de vida. Não por acaso, só ele e Rita fizeram verdadeiro sucesso nas carreiras individuais. Mas as comparações terminam aqui. Enquanto ela já anunciou que se encaminha para a aposentadoria, Moraes antecipa a comemoração dos 40 anos de carreira, em 2015, com a recém-lançada caixa Anos 70, reedição em CD de seus quatro primeiros LPs.
- Este lançamento dá início à festa, serve para rememorar e trazer as novas gerações para perto desses trabalhos - diz ele.
Os discos mostram que haverá muito para relembrar. Nos quatro, Moraes Moreira (1975), Cara e Coração (1977), Alto Falante (1978) e Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira (1979), o acompanhamento era feito pela banda A Cor do Som, de Armandinho, Dadi, Mu, Aroldo e Gustavo. Armandinho tinha o Carnaval baiano no sangue (é filho de Osmar Macedo, do precursor Trio Elétrico de Dodô e Osmar). Dadi integrava o grupo instrumental dos Novos Baianos e saiu junto com Moraes trazendo com ele o nome sugerido por Caetano Veloso - ainda em 1977, A Cor do Som ganharia vida própria, partindo para grande sucesso nacional junto aos jovens (lotou espaços como o Gigantinho, por exemplo).
Nos dois últimos álbuns, Moraes agrega aos caras d'A Cor os velhos camaradas Pepeu, Didi, Jorginho e Baixinho, todos já ex-Novos Baianos. Se nesse grupo seu parceiro exclusivo era Galvão, no primeiro disco as músicas eram quase todas dele e nos demais abre o leque de parcerias: Rogério Duarte, Chacal, Antonio Cicero, Antônio Rizério, Fausto Nilo, Abel Silva, Tom Zé...
A guitarra baiana de Armandinho anda por todo o álbum de estreia que, ainda seguindo a receita múltipla dos Novos Baianos, tem frevo, rock, samba, bossa nova e uma única música de outro autor, Se Você Pensa (Roberto/Erasmo).
- O primeiro foi um disco de passagem, é natural que eu não estivesse totalmente à vontade - considera. - Mas foi um importantíssimo pontapé inicial. Anos depois, ele foi redescoberto por fãs e por colegas como Marisa Monte, que regravou a música Chuva no Brejo, de onde tirou a expressão "barulhinho bom", que deu título a um de seus discos.
O segundo, acrescentando ritmos/gêneros como o xote e o choro, e com acento nordestino mais forte, inclui o primeiro sucesso, cantado até hoje, Pombo Correio. Na faixa de abertura, O Que é... O Que é, diz a letra de Moraes: "Mamãe eu não quero trabalhar de sol a sol/ Quero ser cantor de rádio ou jogador de futebol". Uma das faixas é o clássico samba carnavalesco Às 3 da Manhã, de Herivelto Martins. Outra, o chorinho Davilicença, é dedicada ao filho Davi - que, por esses engenhos do destino, no futuro namoraria Marisa Monte e Ivete Sangalo e se casaria com Maria Rita, além de tornar-se requisitado guitarrista.
Em Alto Falante, mantendo a diversidade dos ritmos e acentuando o colorido das melodias, nitidamente o compositor encontra uma linguagem própria, mas claro que dentro da herança novo-baiana, também representada pela inconfundível guitarra de Pepeu Gomes. E o álbum de 1979, por fim, traz o maior sucesso da carreira, Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira, parceria com Pepeu, gravada por muitos, item obrigatório do Carnaval e de cantores da noite de Sul a Norte. À profusão rítmica, Moraes adiciona o reggae, em Prometeu, e o batuque afro, em Assim Pintou Moçambique. Um dos frevos do disco é bem conhecido, Pelas Capitais, parceria com Mautner.
Ao ouvir juntos os quatro CDs, Moraes diz ter tido a sensação de uma viagem no tempo e também "a certeza de que não mexeria em nada do que fiz". Observando pelo lado de fora, o que se pode dizer é que, assim como a dos Novos Baianos e a dos Mutantes, sua música dos anos 1970 não ficou datada. Ele segue fazendo o público dançar. O que diferiria em essência o Moraes atual do Moraes daquela época?
- Acrescentei à minha personalidade artística o lado mais poético, sou cordelista, não tem mais show sem declamações, é uma nova faceta que me faz um artista mais completo.
*Jornalista, crítico musical e colunista de ZH