Diante do esfarelamento do Reich idealizado para durar por mil anos, de Adolf Hitler enfiando uma bala na cabeça para escapar da humilhante derrota e do avanço das tropas aliadas por diferentes fronts da Alemanha, um casal de empedernidos nazistas - ele um oficial da SS - planeja a fuga. E deixam para trás seus cinco filhos.
O impacto da derrocada alemã é sentido, sobretudo, pela filha mais velha deles, Lore, adolescente que cresceu convencida de que o Führer encarnava um deus vivo, os arianos eram indestrutíveis e os judeus representavam todos os males do mundo.
Em cartaz na Capital, Lore, o filme, acompanha a odisseia que será cumprida pela garota, que fica responsável pelos irmãos pequenos, entre eles um bebê. Apresentando como protagonista a estreante atriz alemã Saskia Rosendahl, a diretora australiana Cate Shortland mostra grande sensibilidade na abordagem de um tema sempre espinhoso e dá à narrativa (adaptada de um dos contos do romance The Dark Room, de Rachel Seiffer) um tom fabular, que emula àquelas sombrias histórias ancestrais compiladas pelos Irmãos Grimm.
Estão presentes na história a casa da avó como destino e porto seguro, a Floresta Negra cheia de perigos a cruzar em meio às mais severas privações e os personagens que remetem à bruxa, ao lobo mau, aos caçadores e ao príncipe salvador. Este último, apresentado como um rapaz judeu, revela-se um componente muito interessante no enredo e é responsável por uma bem urdida dúvida sobre sua real identidade, caráter e intenção lançada pela diretora.
Por entre essas alegorias e também por um impactante realismo, captado na fotografia e na reconstituição cenográfica daquela terra arrasada, o filme destaca horrores como o Holocausto e os estupros e assassinatos de alemães pelos soviéticos, temor que segue os irmãos como uma sombra. Em meio à luta pela sobrevivência, a tomada de consciência de Lore sobre a ruína da fantasia nazista está espelhada uma questão emblemática ainda hoje: o quanto o povo alemão foi vítima, testemunha passiva ou cúmplice dos desatinos genocidas de Hitler.
E cabe ressaltar a maneira como é mostrada a relação de Lore com as pequenas figuras de porcelana que coleciona. Como sugere a poderosa sequência final, o que foi uma vez quebrado, seja um objeto ou uma convicção, jamais será o mesmo outra vez, sobretudo alguém que foi reduzido a cacos por conta da bestialidade do ser humano.
Onde ver*: Espaço Itaú 8 (13h, 20h 22h) e Guion Center 1 (14h30, 16h30, 18h30, 20h30)
* Indicação válida até 14/11 (após, consulte a programação das respectivas salas)