À luz da ainda quente polêmica envolvendo obras biográficas sobre grandes artistas brasileiros, o espólio de Elis Regina, administrado por seu três filhos, João Marcelo Bôscoli, Pedro Mariano e Maria Rita, não costuma provocar maiores controvérsias, ao menos publicamente.
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O jornalista Julio Maria lança no primeiro semestre de 2014 a biografia, ainda sem título, que teve aprovação dos herdeiros de Elis, pela editora Master Books, que pertence à apresentadora Eliana Michaelichen, mulher de João Marcelo Bôscoli. Confira trechos da entrevista com o autor:
Zero Hora - Qual é o diferencial da sua biografia em relação a outros livros sobre Elis Regina?
Julio Maria - Claro que é difícil chegarmos à "biografia definitiva", e nem acredito que ela exista de fato sobre qualquer biografado. Minha tentativa tem sido a de entrar em vácuos ainda não visitados. Existe um componente aí interessante. Quando Elis brigava com alguém, apagava esse alguém em suas entrevistas. Por isso, não podemos confiar 100% no que ela dizia nestas entrevistas.
ZH - O envolvimento no projeto do João Marcelo Bôscoli e da Eliana, mulher dele e dona da editora que publicará seu livro, lhe criou alguma barreira?
Julio - O livro é autorizado pelos três herdeiros. Ao menos assim feito verbalmente a mim. A editora aguarda pelas autorizações oficiais neste instante. João, Pedro e Maria Rita contribuíram com entrevistas. Mas jamais fizeram interferências do tipo "não conta isso", "pega mais leve com aquilo". Foi uma grande surpresa, confesso. Quando mandei uma cópia impressa para que lessem, tive respostas diferentes. O João leu com muita dificuldade. Disse que, por várias vezes, sentiu raiva da mãe. O Pedro me ligou. Tive certeza de que era para barrar a história - digo isso porque realmente há momentos pesados na história. Quando atendi, ele disse: "Quero te dar os parabéns. Eu consegui entender minha mãe agora. E consegui me entender melhor". Foi o melhor elogio que eu poderia ter. Maria Rita me recebeu no camarim de um show em São Paulo. Fui saber se ela tinha lido, e ela me responde: "Julio, não li porque não queria ser eu a pessoa a dizer a você o que deve ou não ser publicado". Para mim, foi algo exemplar. João me disse: "Não interessa biografia chapa-branca, conte tudo o que você apurar". Foi o que fiz. Falei de tudo: drogas, amores, brigas, amizades, música, loucura, quedas e vitórias. Entendo que tenha doído quando ele leu, mas ele entendeu.
ZH - Qual sua opinião sobre a polêmica provocada pelo Procure Saber em torno das biografias?
Julio - Quanto ao Procure Saber, nenhuma biografia não autorizada teria poder de estrago tão violento às imagens destes artistas quanto os fatos que eles mesmos acabam de criar. Intenções de censura prévia, reuniões secretas, divergências internas. Acabam de criar um episódio delicioso que, mais cedo ou mais tarde, estará nas biografias, autorizadas ou não, de cada um deles.
ZH - Seu trabalho como biógrafo mudou sua visão sobre a Elis?
Julio - Estou na história há três. Tenho pensado nisso todos os dias. Entrei como admirador, alguém que respeitava a obra, mas não como fã. E acho que foi melhor assim. Não confio muito em biografias escritas por fãs, que, em geral, partem de conceitos pré-concebidos ou defesas de teses. Melhor deixar o leitor tirar suas conclusões. Fui conhecendo Elis mais e mais durante o processo de pesquisar, entrevistar e ouvir e garanto a você que se não houvesse feito um policiamento grande, poderia ter facilmente me apaixonado pelo personagem. O que posso afirmar depois de tudo, sem paixões, é que Elis Regina é mesmo aquilo que dizem: a maior cantora de todos os tempos da música brasileira.