Enquanto os holofotes estão voltados para escritores, expositores e palestrantes, há um grupo de pessoas que sua para fazer a Feira do Livro. Em comum, todas carregam a paixão pela leitura. Bom, quase todos. Há quem adquiriu o hábito depois de trabalhar no evento. Pela maioria, os frequentadores passam batido. Mas há os que despertam curiosidade, como a voz do poste, e outros, a necessidade, como os atendentes do balcão de informações. Esses personagens invisíveis dão raras escapadinhas para adquirir um livro e, dificilmente, pegam um autógrafo. Veja quem são estes anônimos fundamentais para a festa na Praça da Alfândega.
A misteriosa voz do poste
Clea Motti não conta a idade. Diz que a informação não acrescenta nada. Faz sentido. De todos os personagens desta matéria, ela é a mais presente e a mais misteriosa. O timbre de sua voz ecoa em todos os cantos, propagado por 50 alto-falantes espalhados pela Praça. Ela informa o público sobre a programação, mas ninguém faz ideia de onde se esconde.
- Só falo quando está em cima da hora, pois, se digo antes, as pessoas se distraem olhando as bancas e esquecem de ir - justifica Clea, que afirma usar o improviso há 13 anos.
Na sala minúscula climatizada, acomoda-se à frente de uma mesa com notebook, microfone e folhas de papel. De última hora, chegam recados a pedido da produção do evento.
- Se anunciássemos tudo, não pararia de falar um minuto - conta.
Posso ajudar?
Tem um talento literário infiltrado no balcão de informações: Fernanda Hartmann da Luz, 18 anos. Além de vocalista e multi-instrumentista, ela escreve poesias há três anos. Diverte-se com as cenas do cotidiano se desenrolando na Praça - usa isso como laboratório para compor, para escrever e para se matar de rir.
Paciência e simpatia são fundamentais na lida com idosos que não escutam bem e mal-humorados que não escondem as mágoas, ela diz. Esta semana, avistou o ídolo Luis Fernando Verissimo e cochichou no ouvido do escritor que tinha uma banda, a Defenestrantes, cujo nome foi dado em homenagem a uma crônica dele.
- Ele ficou abismado, sorriu. Gostou. Ou então enganou bem - lembra a jovem de sorriso pronto, fala mansa, All-Star e calça jeans.
Com o satélite ligado
Ela nem gostava tanto de ler quando foi escalada para ser segurança na Feira. Foi percorrendo os corredores a passos atentos a atitudes suspeitas que Isabel Conceição Oliveira da Silva, 33 anos, tem ampliado seu leque cultural.
- Dia desses, estava olhando uma banca de autores locais. Tem um monte que eu não fazia ideia de que era daqui - diz a mulher, que prefere romances espíritas, diante das descobertas.
Há colegas de Isabel que dizem tratar-se de um ambiente tranquilo para o trabalho de um vigia, já que "há apenas objetos de pouco valor expostos". Ela concorda, em parte:
- Passam por aqui estudantes, professores, jovens. Não tem problema, mas nosso satélite tem que estar ligado sempre.
Doação de livros
A jornalista Cláudia Müller, 52 anos, carregava 12 livros para doação em uma sacola amarela. A coleção do Cavalo de Troia, de JJ Benitez, lhe era cara. O restante ela comprou na edição passada da Feira e já havia devorado tudo. Com satisfação, Madalena de Freitas, 50 anos, da ONG Parceiros Voluntários, recebia os exemplares. É o quinto ano que ela exerce o mesmo trabalho voluntário na Feira. Assim como todos os outros volumes, o livro doado por Cláudia passa por uma triagem, é higienizado e vai para as organizações.
- Vi a propaganda e pensei: "Eu tenho vários para libertar em casa". Me faz um bem danado saber que estou ajudando a libertar a ignorância da cabeça das pessoas - explica Cláudia.
Agenda viva
Uma programação impecável requer uma equipe que trabalhe o ano inteiro atrás dos convidados. Sandra La Porta, 66 anos, já produziu 14 Feiras. Este é o primeiro ano que Valdeci Cunha da Souza, 56 anos, produz as atrações da Área Infantil e Juvenil. Ele ainda vive a aflição dos contratempos, como a redução dos espaços do evento em função da saída do setor do Cais do Porto. Ela já lida com tranquilamente com os percalços. Para não se perderem em meio à escala de eventos, os dois utilizam o computador e também colam nas paredes tabelas que auxiliam o trabalho.
- Lidamos com pessoas. O pai de um palestrante morreu, ele não veio. Filhos adoecem, pessoas se machucam. Produzir é manter tranquilidade diante do inesperado - resume Sandra.