Ao comentar o primeiro disco de Gisele De Santi (2010), anotei que ela "tem uma voz moderna, colorida, afinadíssima". Diante do segundo, Vermelhos e Demais Matizes, que terá show de lançamento dia 29 deste mês no Theatro São Pedro, o que posso acrescentar é que tudo ganha mais intensidade. Certamente ela tem uma das mais belas vozes da música brasileira, com uma dicção cristalina e um senso de divisão que me faz pensar em Elis. Seu canto é suave, luminoso, aconchegante. Em três anos ela também cresceu como compositora, e se estamos apenas diante do segundo álbum, e se sabemos de sua determinação, não é difícil prever uma carreira de sucesso - mesmo que o destino das cantoras gaúchas pareça preso ao reconhecimento apenas local, com as óbvias exceções de Elis e Adriana Calcanhotto, que foram embora. Há mais de dois anos radicada em São Paulo, Gisele tem tudo para ser a terceira exceção.
Na última terça-feira, liguei para o celular dela e a encontrei dirigindo no nervoso trânsito da capital paulista. Andava às voltas com a produção do cenário do show, que estreará dia 23 no teatro do SESC Vila Mariana. Será sua primeira apresentação lá com direito à produção completa, pois nesses dois anos cantou apenas em pequenos espaços. Mas já formou público, como mostrou a lista de apoiadores para a gravação do CD por financiamento coletivo. O que ela mais quer agora é entrar no palco.
- As coisas começam a acontecer por conta do disco novo, tenho feito muitas parcerias, conhecido muita gente, e estou louca para mostrar esse repertório porque ele diz respeito ao que eu sou atualmente, diferente do primeiro disco, que tinha músicas que fiz desde os 14 anos.
Com produção e belos (leves, inventivos) arranjos dos competentes Fabrício Gambogi e Gilberto Ribeiro Jr. e a presença de músicos como Vagner Cunha, Marcos Suzano, Luciano Leães, Jorginho do Trompete e Ângelo Primon, Vermelhos e Demais Matizes tem as relações amorosas como tema dominante - mas, a maioria, canções de amor feliz, como Colors, Colorindo, que abre o disco, da qual saiu o título. Já na bossa Tema de Novela, uma das melhores, há alguma dor. Gisele diz que tenta fugir do assunto amor mas ele volta sempre, "então decidi não brigar mais com isso". Das 12 faixas, apenas duas não são dela, as inéditas Samba Anônimo, de Gambogi, e Quem é Ninguém, de Vitor Ramil e Roger Scarton, com participação de Vitor. Não há canção em que Gisele altere a voz; a suavidade e a delicadeza são as marcas do álbum (que, aliás, será lançado no Japão).
Cláudio Joner solta a voz
Às vezes um músico leva tempo para descobrir uma aptidão que julgava não ter. É o caso de Cláudio Joner, que durante anos foi compositor e baixista da banda de rock Estado das Coisas (com a qual gravou quatro discos) e que em 2008 lançou um CD solo mas chamando outro para cantar suas composições. Agora, finalmente, ele resolveu mostrar a voz no álbum Desordem - e acertou em cheio. Não apenas é um dos melhores trabalhos produzidos no RS este ano, como mostra que ele deveria ter cantado sempre, pois suas canções crescem com a própria voz, de timbre semelhante ao de Duca Leindecker. Inserido em uma capa em formato de livro, cada página funcionando como obra de arte (na frente uma escultura de Elida Tessler), Desordem também amplia os horizontes de Joner ao estabelecer parcerias e fazer do pop-rock apenas parte do processo criativo.
Lápis, que abre o disco, é um pop-folk de clima meio beatle, com letra do conhecido psicanalista Edson Luiz de Souza. Em seguida vem uma valsa pop moldada por acordeom e uma letra de outro parceiro, Larry Wizniewsky: "O céu que nos protege, não é céu. É um oco, um beco escuro, é um breu. Herança de alguém que nem nasceu. A vida pelo avesso que num sonho se perdeu". As letras seguem mais ou menos nesse teor, envolvidas por melodias de efeito instantâneo, como na bossa-jazz Mesmo, nos sambas Adeus às Instruções e Atravessei o Meu Samba, no rock explícito O Corte. Os arranjos são exatos para sublinhar o resultado vigoroso do trabalho que conta com músicos à altura, entre eles Marcelo Perez (teclados, sax, flauta), Léo Chitolina (violão, guitarra), Sandro Cartier (bateria), Bruno Esperon (violino) e Adriano Justen (acordeão). Joner é também psicólogo e coordenador do Musicanto na cidade de Santa Rosa.
Antena
Alma, de Carminho
Em junho passado, depois de uma apresentação de Carminho no Rio de Janeiro, Caetano Veloso escreveu em sua coluna em O Globo: "Ela é a mais nova e a mais bela floração desse renascimento do fado". A cantora portuguesa - que no próximo dia 23 fará show no Projeto Unimúsica - é mesmo um espanto. Quando emergiu no universo do fado, em 2005, surpreendeu não por querer inová-lo mas, ao contrário, por dedicar a bela voz de apenas 20 anos à mais pura tradição. Seu álbum de estreia, Fado, é de 2009. Em Porto Alegre ela promoverá o segundo, Alma, em que mescla canções de fadistas clássicos com novos autores - entre eles Diogo Clemente, seu produtor, ótimo guitarrista e, desde 22 de setembro, também marido. Com três faixas extras, a edição brasileira tem as participações de Milton Nascimento, Nana Caymmi e Chico Buarque. MP,B Discos/ Universal, 2013. Contato: www.mpbproducoes.com.
Alegria, do Barbosa Trio
Formado pelo cantor, compositor e violonista paranaense Wagner Barbosa, pelo pianista polonês Kuba Palys e pelo percussionista cearense Rafael Mota, o grupo começou sua trajetória na Europa. Wagner tem um disco solo lançado em 2008 e este é o primeiro do trio. Todas dele, as três faixas iniciais, Pererê, Rastapé e Alegria (esta com o acordeom de Toninho Ferragutti), revelam certeira influência nordestina, lembrando Gilberto Gil inclusive na voz expressiva de Wagner. A partir da quarta faixa, Blackbird (Beatles), instala-se uma world music à brasileira. Nothing New, por exemplo, é um quase-jazz com clima Chet Baker. Pata de Elefante tem a presença do Ritmodelia, septeto polonês de percussão, com resultado paralelo à timbalada. Também é forte o arranjo para Vento Bravo (Edu Lobo/ Paulo César Pinheiro). Uma boa surpresa. Independente/ Tratore, 2013. Contato: www.wagnerbarbosa.com.
Delírico - O Mundoceano, de Guga Costa
Paulista de Campinas, Guga é mais um grande músico formado pela Unicamp. E este disco de estreia, uma porrada do início ao fim; trabalho com gravidez teatral, dramático e político, transitando entre a MPB, o rock e a música de câmara. Ele só canta (e como canta!, inclusive em inglês, francês, alemão), ao lado de Vinicius Sampaio na guitarra, Victor Lessa no violoncelo e Edu Guimarães no acordeom, com resultado sonoro de banda grande. Conceitual, o álbum discorre sobre "o grande oceano pelo qual navegam as pobres almas humanas". São canções de Kurt Weill (Youkali Tango), Lenine (Miragem do Porto), Chico César (Bala no Natal), Radiohead (Weird Fishes), Caymmi (Histórias de Pescadores) e até uma ária de ópera de Mozart (cantada como o tenor que Guga é), além de três dele, todas com tensão, digamos, punk. Para ouvidos treinados. Independente/ Tratore, 2013. Contato: www.gugacosta.com.br.