1) Embora esta coluna, como bem diz seu nome, dedique-se a colher nas palavras o doce melzinho que elas produzem, às vezes também investimos um pouco de nosso esforço em questões de utilidade pública. Um leitor de Curitiba, por exemplo, não vê com bons olhos uma placa afixada bem na entrada do condomínio onde mora: "Você pode ser um excelente motorista, mas nossas crianças são péssimos pedestres. Portanto, cuidado!". Não que meu leitor tenha qualquer coisa a opor àquilo que a frase diz - a mensagem é engenhosa e oportuna; o problema, diz ele, é a concordância esquisita: "Não ficaria melhor, professor, se escrevessem péssimas pedestres, concordando com crianças?".
Pois, meu amigo, confesso que também achei malsonante aquela concordância; no entanto, se pensarmos nela com calma, teremos de admitir que a forma preferível é mesmo como está escrito: nossas crianças são péssimos pedestres - assim como poderão vir a ser destacados cidadãos, ótimos alunos ou abnegados professores. Nestes casos, o masculino plural está sendo usado em sentido amplo, genérico, exatamente para corresponder a crianças, vocábulo classificado entre os sobrecomuns (aqueles que têm uma só forma para ambos os gêneros, como o cônjuge, o indivíduo, o monstro, a pessoa, a testemunha, a vítima). Se escrevêssemos "péssimas pedestres", excluiríamos as crianças do sexo masculino (não se confunda "sexo biológico" com "gênero gramatical"). Para melhor nos convencermos, sugiro cotejar a frase da placa com exemplos construídos em torno de outros sobrecomuns: "As vítimas preferidas do demagogo são os eleitores ingênuos", "As pessoas mais velhas dão ótimos administradores", e assim por diante.
2) Outra pergunta - desta vez um pedido de socorro - vem de alguém que estuda numa de nossas faculdades da Região Metropolitana, de uma cidade tão próxima que, por discrição, prefiro não mencionar. Diz ele: "Meu professor de Circuitos Elétricos pronuncia a palavra grega ômega como /oméga/ para referenciar a velocidade angular de onda. Como ele comete erros primários como "seje" e o famigerado "para mim fazer", não consigo lhe dar credibilidade suficiente para aceitar esta pronúncia como correta. O problema é que todos ao meu redor agora se puseram a falar /oméga/ como ele, e eu fiquei sozinho na trincheira. Por favor, encerre de uma vez essa tortura e diga quem está certo, quem está errado".
Sem maiores delongas, posso dizer que o errado é o professor. A palavra ômega, tanto na pronúncia quanto na grafia, é uma proparoxítona - aliás, essa é a única justificativa para usarmos aqui este inconfundível acento circunflexo (os portugueses usam ómega, também sacramentado pelo Acordo - mas a posição da tônica é a mesma). No mundo encantado dos alimentos saudáveis, vários produtos agora fazem questão de apregoar que contêm "ômega 3"; no mundo literário, a expressão "de A a Z", usada para indicar o início e o fim, pode ser substituída pela variante culta "de alfa a ômega", pois estas eram, respectivamente, a primeira e a última letra do alfabeto grego ("Eu sou o Alfa e o Ômega, o princípio e o fim, diz o Senhor, que é, e que era, e que há de vir" - Apocalipse, 1:8) - e assim por diante.
É necessário reconhecer, no entanto, que a prosódia popular é realmente (/oméga/). Em toda a minha infância ouvi meu avô gabar seu relógio /oméga/ - assim, com a tônica no E (mas ele era meu bom avozinho e tinha o direito de falar como quisesse). Além disso, acrescentava, invariavelmente, em tom de orgulho, que o seu era especial - "Um oméga ferradura!" - expressão tradicional neste Brasil profundo que distinguia os "omégas" legítimos, assim como seu revólver .38 era um Colt "cavalinho" - um Colt legítimo, portanto. Acho que ele ficaria muito decepcionado se viesse a saber que a letra ômega maiúscula tem a forma de uma ferradura e, portanto, aparece no mostrador de todos os relógios desta marca - e que o símbolo gravado em qualquer revólver ou pistola Colt é, até hoje, a figurinha de um potro (em inglês, colt), empinado, trazendo na boca o coto de uma lança quebrada; raríssimos, portanto, ou inexistentes, seriam os relógios Omega sem a ferradura ou os revólveres Colt sem o cavalinho...
Opinião
Cláudio Moreno: O ômega e a ferradura
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