Tento ensinar decupagem para meus alunos de direção em cinema lá na PUCRS. Decupar (do francês "découper", que significa recortar) é tarefa básica de quem pretende ser autor de um filme. Consiste em pré-visualizar e colocar no papel cada um dos planos que serão executados no set. Enquadramentos mais abertos, mostrando o cenário, ou mais fechados, mostrando o rosto dos personagens? A câmera estará fixa sobre o tripé, ou movendo-se suavemente sobre um trilho, ou balançando muito à medida que seu operador caminha com ela nas mãos, ou oscilando um pouquinho enquanto ele apenas respira? Decisões difíceis, que dependem de cada momento da narrativa.
Uso como exemplo o primeiro plano da primeira cena de O Poderoso Chefão (parte 1), de Francis Ford Coppola, e tento aplicar o princípio da engenharia reversa, presente em muitas ciências. A ideia geral é examinar cuidadosamente alguma coisa que está pronta e imaginar quais foram os passos necessários para que ela fosse criada. Obviamente, quanto mais complexo é o objeto do estudo, mais difícil (e mais didático) será compreender o processo e a cronologia de sua criação. O começo de O Poderoso Chefão é um longo plano (três minutos) em que Bonasera, um comerciante de origem italiana, pede que Corleone, um chefão da máfia, mate os estupradores de sua filha. O plano começa com um close de Bonasera e vai abrindo até mostrar também as costas de Corleone, de quem nunca vemos o rosto.
Levo quase uma hora para analisar esse plano e não posso reproduzir aqui todos os seus detalhes. Garanto que aplicar a engenharia reversa no cinema pode ser uma tarefa bem complicada, e a discussão surge em todos os semestres: o plano abre por que a câmera recua sobre um trilho (o popular "travelling"), por que vai aumentando o ângulo de sua objetiva (o popular "zoom"), ou trata-se de uma combinação impopular das duas coisas? Existem argumentos para as três possibilidades. Talvez seja melhor escrever para o senhor Coppola perguntando.
Os biólogos também discutem acirradamente quais foram os passos necessários para que a evolução criasse o olho humano, que é tão maravilhoso quanto excentricamente projetado. Infelizmente, não há para quem escrever e perguntar a respeito. A psicanálise é uma engenharia reversa das perturbações mentais. A vida, diria um escritor de autoajuda, está cheia de engenharias reversas difíceis de decifrar. Eu continho acreditando que estudar decupagem a partir de seus resultados práticos é bastante didático e torna a aula interessante. Talvez não seja muito. Talvez seja menos que nada. Mas é o que os professores de cinema têm.