Na Inglaterra, Edmund de Waal é um ceramista famoso, conhecido por instalações de peças impecáveis em tons suaves de celadon ou branco, muitas das quais estão em exibição permanente em lugares como o Museu Victoria and Albert; já nos EUA, é conhecido principalmente por ser o autor do livro "A lebre com olhos de âmbar", de 2010, que surpreendeu ao se tornar um best-seller. Apesar das inúmeras rejeições iniciais das editoras, acabou vendendo mais de 1,5 milhão de cópias, foi traduzido para 26 idiomas e pode muito bem virar filme.
Registro da origem de 264 netsuke - miniaturas de marfim entalhadas na forma de animais, plantas e pessoas - que Waal herdou de seu tio-avô Iggie, "A lebre com olhos de âmbar" é uma história arrebatadora que começa em Paris, em 1871, e se estende ao longo de cinco gerações da família Ephrussi, cuja coleção chegou até Viena, onde se acreditava ter sido confiscada pelos nazistas, e que décadas depois acabou em Londres.
- Minha cerâmica e meus escritos são uma coisa só. As porcelanas se transformam em palavras e as palavras, em porcelanas - explica de Waal.
Como o netsuke, o trabalho de de Waal é tridimensional, tátil e cuidadoso, mas em sua própria linguagem, minimalista e moderna. Ele produz objetos como cilindros, pratos e jarros finíssimos, arranjados com cuidado para contar uma história. Embora colecionadores como o herdeiro dos cosméticos Ronald S. Lauder e o vice-presidente da Sotheby's, Charles Moffett, tenham comprado amostras da porcelana de de Waal, nunca houve uma exibição de seu trabalho nos EUA - até o negociante de arte nova-iorquino Larry Gagosian ler o livro, que o deixou curioso para conhecer sua arte.
- São instalações muito poéticas - disse Gagosian sobre sua decisão de fazer uma mostra da porcelana de de Waal em sua galeria da Avenida Madison, que será inaugurada em doze de setembro.
De fala mansa, usando jeans e camiseta branca manchados de argila, recentemente de Waal abriu seu novo estúdio, um espaço grande em uma antiga fábrica de munição em Dulwich, no sul de Londres. Havia música (Glenn Gould, Meredith Monk) e as paredes brancas estavam abarrotadas de porcelanas frágeis que seriam embaladas e enviadas de navio para Nova York e à exposição na galeria de Gagosian.
Tentar definir o trabalho desse artista de 48 anos entre os artistas de sua geração parece tarefa quase impossível.
- Edmund é único. Ele não se encaixa em nicho nenhum e essa é a sua grande virtude. Não copia a porcelana do século XVIII nem a asiática. Seu trabalho é totalmente moderno, mas baseado em um grande conhecimento histórico - afirma Martin Roth, diretor do Victoria and Albert.
Homem renascentista na melhor concepção da palavra, com um rosto expressivo e gestos gentis, de Waal fala de sua porcelana com a mesma paixão com que se refere à poesia e à pintura. Aos cinco anos, seu pai, o reverendo Victor de Waal, o levou a uma aula noturna de cerâmica.
- Foi uma verdadeira revelação. Era muito estimulante e estranho produzir alguma coisa a partir do nada - conta ele, que percebeu naquele momento que criar aquelas peças era o que queria fazer na vida.
Nascido em Nottingham, foi criado em uma casa medieval sem aquecimento em Lincoln, a duas horas de Londres, perto da famosa catedral, e mais tarde em Canterbury, onde seu pai foi decano da catedral durante 10 anos; sua mãe, Esther Moir, era historiadora. Estudou com Geoffrey Whiting, discípulo do ceramista Bernard Leach - e se apaixonou de tal forma pelo estúdio do colega que desistiu de ir para Cambridge, onde já tinha sido aceito, para se tornar seu aprendiz, varrendo o chão, preparando o verniz, fazendo chá.
Em 1991, cinco anos depois de finalmente se formar, recebeu uma bolsa para estudar japonês em Tóquio, trabalhar em um estúdio de cerâmica e fazer pesquisas para um livro que acabou escrevendo sobre Leach. Foi lá que visitou o Tio Iggie, que tinha se mudado para o Japão em 1947 e era o dono da tal coleção de netsuke.
- Foi uma época de transformações. Foi quando comecei a pensar em como trabalhar com arquitetura, com o espaço, como energizar os objetos e colocá-los juntos de maneiras diferentes - relembra.
De Waal não começou expondo sua porcelana em galerias de arte, mas sim na Feira de Artesanato de Chelsea, em Londres, onde acabou sendo vista por curadores de museu nos anos 90. A grande virada, porém, só aconteceu em 2001, quando criou uma sala inteira no Museu Geffrye, em East London, que acabou exibida em outros lugares.
- Era uma parede de vasos inspirada nas salas de porcelana do século XVIII. Foi nos primórdios da arte minimalista. Eram peças totalmente invendáveis, mas refletiam exatamente o que eu queria fazer - conta.
Ao longo dos anos, seu trabalho ganhou nuances e ficou mais complexo. Na frente de uma das paredes de seu estúdio há trinta peças requintadas dispostas em uma vitrine de vidro opaco que torna a visão dos objetos embaçada, semelhante às pinturas realistas de Gerhard Richter. A maneira como as formas são vistas é deliberada e pode mudar completamente seu significado. Algumas estão penduradas na parede; outras, abaixo do nível dos olhos.
- É uma questão de desejo, de anseio, como o livro. Minhas porcelanas falam de uma gama de emoções relacionadas ao ter, ao possuir, ao perder - diz ele, referindo ao netsuke, cuja jornada e posse acabou se tornando a lente através da qual conta sua história.
Ao contrário da maioria dos artistas que se arrisca através de meios de expressão diferentes, de Waal não desenha nem pinta.
- Nunca peguei em um pincel. Nem nunca me interessei - revela.
Já escrever sempre fez parte de sua vida. E o fato de ter o manuscrito de "A lebre com olhos de âmbar" rejeitado várias vezes porque, segundo lhe disseram, "não havia mercado para um livro de memórias sobre uma família de sobrenome difícil que colecionava objetos de nome impronunciável", não o desanimou. "Fui até o fim", conta ele. Foram necessários cinco anos e inúmeras viagens para rastrear as raízes da família em Odessa, Viena, Paris, Tóquio, escrevendo sempre que tinha um momento livre. No fim, recebeu um adiantamento de dez mil libras (cerca de US$15.500).
Enquanto escrevia o livro, começou a receber algumas das propostas mais importantes de sua carreira, incluindo a do Victoria and Albert, que lhe pediu para fazer uma instalação permanente para a nova galeria de porcelanas, recém-reformada; um convite do Duque de Devonshire para criar um corredor de porcelanas em Chatsworth, a famosa mansão de Derbyshire; e uma encomenda de Jacob Rothschild para criar uma instalação para Waddesdon Manor, casa de sua família em Buckinghamshire, famosa pelas coleções de peças de Sèves e Meissen.
Agora, além da mostra de Gagosian, ele está tentando conciliar encomendas para Viena, Amsterdã e Dresden, além de uma exposição pública gigantesca em Londres, para a qual está trabalhando com o arquiteto David Chipperfield em uma série de vitrines subterrâneas que farão parte de um canteiro de obras na área vitoriana de Londres.
Apesar disso tudo, ainda é mais conhecido por seu livro.
- Sou primo de todo mundo. Recebo cartas ridículas de gente que quer comprar os netsuke... mas também há situações incríveis, quando pessoas que conheceram meus avós me escrevem, por exemplo - disse ele.
E, apesar dos pedidos dos fãs, ele afirma categoricamente que não haverá sequência.
- Eu poderia viver à sombra desse livro para sempre, mas já segui em frente. Já estou em outra - conta.