Primeiro os homens leais à milícia "Exército de Mahdi" do Iraque o xingaram, furiosos com o barbeiro esguio que ousou desenhar imagens de mulheres nuas. Cuspiram nele, vendaram seus olhos e o espancaram enquanto o levaram através do mercado de um bairro agitado de Bagdá, onde alguém foi buscar uma tesoura para cortar seus cabelos longos.
O abuso não acabava ali para o barbeiro, Bassim al-Shaker, que apanhou tanto que precisou passar duas semanas se recuperando em um hospital.
Na verdade, ele é muito mais que um barbeiro.
Em junho al-Shaker estava na Itália, suas pinturas a óleo faziam parte do Pavilhão Iraquiano da 55ª Bienal de Veneza. Em julho ele chegou ao oeste americano como um dos seis artistas estrangeiros que vieram de seus países para compartilhar conhecimento e criar.
Para al-Shaker, de 28 anos, é muito mais uma liberação do que uma fuga.
Em Bagdá, ele costumava pintar no meio da noite para evitar o caos cacofônico das sirenes, buzinas e explosões que ditam o ritmo dos dias na cidade. Ele detestava caminhar pelas ruas, onde explodem os homens-bomba. Al-Shaker temia por sua vida, quando os homens que o torturaram saíram da prisão este ano e prometeram ir atrás dele em busca de vingança, acreditando que era o responsável por terem ido parar atrás das grades.
A jornada de al-Shaker do Iraque ao Arizona começou em uma manhã ensolarada de primavera em Bagdá, quando ele se viu correndo em uma viela, saltando de telhado e telhado e pulando cercas para fugir daqueles que o perseguiam, encontrando abrigo temporário em uma casa atrás de um bloqueio do exército iraquiano. Artistas de ambos os países vieram a seu resgate, usando velhos contatos para encontrar uma forma de mantê-lo vivo.
Ele trocou seu país natal por uma cidade que abriga uma das maiores comunidades iraquianas dos Estados Unidos, que para a maioria dos refugiados é apenas a primeira parada, e onde os demais escolhem viver em função do clima desértico familiar e do custo de vida razoável.
Porém, al-Shaker não se encaixa em nenhum dos dois grupos. Ele é um artista com um visto de negócios, animado pela liberdade de colocar na tela "tudo o que está em meu coração", afirmou.
Boa parte disso é influenciada por uma vida de guerras, repressão e sanções, que é basicamente tudo o que ele havia conhecido até agora. De um apartamento no prédio onde está - perto da linha do trem que o leva até o Museu de Arte da Universidade do Estado do Arizona, que abriga os artistas dos arredores de Tempe - al-Shaker tem trabalhado em um retrato de um homem enrugado usando um kaffiyeh, o lenço usado tradicionalmente por homens no Iraque. Ele está usando apenas tintas pretas e brancas "porque a vida no Iraque é preta e branca", sem a alegria que as cores representariam, segundo ele.
Recentemente em uma manhã recente, estiloso de óculos azuis e calças skinny, al-Shaker ganhava a vida cortando cabelos em Bagdá, mas arte sempre foi seu destino. Seu pai trabalha com couro e alguns de seus tios são músicos - um toca percussão e o outro alaúde, o violão em forma de pera. Quando estava na escola, costumava passar horas nas salas de artes, desenhando suas "expressões da vida", afirmou.
Ele falou com a ajuda do intérprete, Layal Rabat, de 30 anos, filho de uma família cristã da Síria que, assim como al-Shaker, tem sentimentos confusos sobre religião. Al-Shaker é tanto sunita, quanto xiita, de acordo com seus laços sanguíneos e sua tradição, conforme define a si mesmo.
- Não sou muçulmano, nem cristão. Não sou nada - afirmou, e isso era tudo que estava disposto a dizer a esse respeito.
Para al-Shaker, Rabat tem sido a ponte para um mundo de novas descobertas, como happy-hours no Lost Leaf, um bar, galeria e casa de shows na Rua Roosevelt, a principal via da cena artística da cidade.
- Tudo o que é proibido se torna objeto de desejo - afirmou, indicando as coisas que não podia fazer em Bagdá, mas que sempre desejou, como beber uma cerveja com amigos ou deixar a imaginação voar para que pudesse levar sua arte para onde desejasse.
Al-Shaker afirmou que havia acabado de retornar do Cairo para Bagdá na primavera deste ano quando três homens começaram a persegui-lo depois de um encontro fortuito em uma viela movimentada.
Os desenhos que o colocaram em maus lençóis foram esboços da Vênus de Milo, necessários para a prova de entrada da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Bagdá. Ele guardou esses desenhos em um caderno de notas que ficava ao lado do bebedouro da barbearia, onde um dos milicianos o encontrou ao parar para cortar os cabelos.
Em Beirute, al-Shaker era um dos oitos artistas participando de uma série de oficinas patrocinados pela Sada (Echo) para Arte Contemporânea Iraquiana, um projeto sem fins lucrativos fundado em 2010 para incentivar práticas artísticas em um país cujo cenário das artes foi estrangulado pelo fundamentalismo religioso e por anos de conflitos.
Assim que voltou a Bagdá, aqueles que o perseguiam o forçaram a se esconder em uma casa atrás do bloqueio militar. Ele ficou lá por cerca de um mês, escondido em um quartinho no segundo andar, "comendo e bebendo como se estivesse em uma prisão", afirmou.
Preocupado com a segurança de al-Shaker, o diretor da Sada, Rijin Sahakian, expatriada iraquiana que o contratou em 2010 para gerenciar as atividades do grupo em Bagdá, entrou em contato com Gordon Knox, diretor do museu de arte da ASU, para quem havia feito a curadoria de uma exposição com artistas iraquianos na Califórnia. Ela sabia que Knox havia iniciado um programa de residência para artistas estrangeiros em Phoenix e se perguntou se al-Shaker poderia participar.
- Ele é obviamente muito talentoso, mas também estávamos focados em salvar a vida dele - afirmou Sahakian em uma entrevista por telefone diretamente de Beirute, onde vive.
Não há nenhum outro artista como Al-Shaker no programa de residência, em vista do passado e de suas circunstâncias. Os outros residentes, atuais e anteriores, vieram de lugares como Portugal, Inglaterra, Dinamarca e México.
Eles vivem e trabalham no mesmo prédio no centro da cidade, chamado Combine Studios, e se reúnem com alunos de graduação da faculdade de artes da Universidade do Estado do Arizona, onde fazem uma espécie de intercâmbio que é "enriquecedor para ambos", afirmou Knox.
Al-Shaker está terminando uma instalação para uma galeria e já planeja o próximo projeto: pintar uma bandeira dos Estados Unidos na lateral de um contêiner em um terreno baldio, substituindo as estrelas pela águia preta e dourada do brasão iraquiano. Segundo ele, esse é o símbolo máximo dos países que carrega no sangue.
Seu visto perde a validade no fim do ano, mas ele tenta não pensar a respeito. Quando voltar para Bagdá, ele vai se mudar para outro bairro, torcendo para que a mudança de endereço seja o suficiente para mantê-lo a salvo.