Respire. Desacelere o mecanismo dos olhos. Roube-se alguns minutos. A proteção de um café, físico ou jurídico, é fundamental. Esconda-se. Pode ter certeza de que há muitos contra você neste exato instante. Farão tocar o telefone, que você não atenderá. Talvez falem ao redor, talvez buzinem as mesmas velhas novidades. Já estamos juntos. Aqui a política mundana não vigora, esfacelam-se caminhonetes importadas, desnudam-se em vão as celebridades. Aqui sabemos que eles estão errados e que Milosz, o grande poeta polonês e Prêmio Nobel, está certo. São tempos de uma nova poluição.
"A ciência e a tecnologia poluem não apenas a natureza, mas também a imaginação humana. O mundo privado de nitidez, do que é alto e do que é baixo, do bem e do mal, sucumbe a um tipo peculiar de niilismo, que é a perda de suas cores, de modo que a fuligem cobre não apenas as coisas sobre a terra e o ar, mas também o próprio fluxo do tempo, seus minutos, dias e anos."
Poluição interna, que tira às coisas e às criaturas sua particularidade, borrando a paleta de cores do mundo. Para Milosz, a poesia não permite que "olhemos para as coisas deste planeta senão como coloridas, variegadas e excitantes, e, dessa forma, impedindo que se possa reduzir a vida, com todas as suas dores, seu horror, sofrimento e êxtase a uma tonalidade única de queixa ou aborrecimento".
Contra o vazio, contra o vácuo de sentimentos, respire, é hora de refurtarmos o tempo que nos tem sido roubado, buscando livros que não se deixem cobrir pela uniformidade do cinza, livros como este que acaba de chegar às livrarias, da poeta Mariana Ianelli, cujos versos sempre se ocuparam de fazer luzir as pequenas coisas, as pequenas emoções (como quer Milosz). Mariana, no entanto, agora nos brinda com suas crônicas. Breves Anotações Sobre um Tigre, da editora Ardotempo. É, antes de tudo, um livro de resistência. Belissimamente ilustrado por Alfredo Aquino, a cada passo, a cada texto, voltamos a ter fé no poder da conversa sutil e íntima que está na essência da crônica, tão longe de certa prática atual, vociferada e vulgar, que mais se assemelha a uma algazarra de boteco. Uma conversa reconfortante num café ao longo de uma tarde fria. Um café com tigres, a nos ameaçar (e salvar) mais por suas cores do que por sua ferocidade.