Das efemérides pessoais que podem interessar a mais alguém. Calhou de neste 2013 completarem-se 30 anos de dois shows que permanecem preservados nesta rodada memória, protegidos do apagamento por uma trava afetiva. Do primeiro, a sobrevivência explica-se pela pompa do nome e circunstância histórica: Van Halen, no Gigantinho, em 2 de fevereiro de 1983, época em que as poucas grandes bandas de rock que colocavam o Brasil na rota (como Queen e Kiss) passavam reto por Porto Alegre rumo a Buenos Aires.
Mas a razão desse inventário é puxada do extremo oposto da linha da fama e fortuna do universo musical. É um nome que quase ninguém conhece e que tão rápido como surgiu desapareceu: Quintal de Clorofila, duo formado pelos irmãos Dimitri e Negendre Arbo.
Em 28 de junho de 1983 - 30 anos completados poucos dias atrás, descobri por um feliz e inspirador acaso -, eles fizeram, no Teatro Renascença, o show de lançamento do LP independente O Mistério dos Quintais. Eu os tinha visto tempos antes, rodando pelo circuito de bares da Capital e no saudoso Espaço IAB, e, como todo mundo, ficado de queixo caído com o som que eles faziam: um folk psicodélico misturado com música medieval e influências étnicas diversas.
No palco, os irmãos Arbo carcados por violões, violas, alaúdes, flautas, ocarinas e instrumentos dos mais exóticos, alguns criados por eles próprios. A dupla ouriçava fãs de Jethro Tull e Ranaissance e também mostrava uma sonoridade totalmente nova em sua experimentação, virtuosismo e transcendência - característica de artistas visionários que pareciam, percorrendo por entre melodias ancestrais, andar passos à frente de seu tempo.
Nascidos em Palmeira das Missões e criados em Santa Maria, Dimitri e Negendre despontaram em festivais universitários no Interior e se aventuraram por Porto Alegre quando aqui ainda era gestada a cena roqueira que emergiria com força no ano seguinte e também começava a se solidificar o jovem cena urbana do nativismo - eles não estavam ligados a nenhuma dessas vertentes.
Musicando e cantando poemas escritos pelo pai, o jornalista Antonio Carlos Arbo, Dimitri e Negendre, cabeludos, barbudos e vestidos com adereços de pele, tinham a aparência de bárbaros conquistadores. Os rastros que deixaram por aqui, antes de seguir Brasil afora, foram as apresentações memoráveis e o LP (relançado em CD em 1999) que é hoje muito disputado em sebos no Brasil e no Exterior - o álbum é classificado por colecionadores na mesma praia do psicodelismo regional de nomes como Alceu Valença, Zé Ramalho e Lula Côrtes.
A internet informa que os irmãos Arbo seguem trabalhando com música. Dimitri vive no Estado, e Negendre mora em Foz do Iguaçu, no Paraná. Ele, Negendre, tem um site (http://negendre.com.br/mp3/quintal.htm) em que disponibiliza para baixar o disco O Mistério dos Quintais e apresenta composições inéditas. Vale muito conhecer esses doces bárbaros.