*Matéria publicada originalmente em 11 de julho de 2007 (jornal Zero Hora)
As pessoas que formam filas nos cinemas de todo o mundo a partir de hoje para assistir a Harry Potter e a Ordem da Fênix não verão um filme, mas sim a um livro em movimento e a uma arte em extinção. Esta é uma das maneiras com que o cineasta britânico Peter Greenaway argumenta sua tese de que o cinema, como forma e meio de uma expressão artística, está morto e só voltará a respirar se mudar a maneira com a qual se relaciona com o espectador.
Convidado pelo ciclo Fronteiras do Pensamento, evento promovido pela Copesul Cultural, o cineasta realizou ontem à noite na Capital, no Salão de Atos da UFRGS, a conferência O Cinema Está Morto. Vida Longa ao Cinema. Nascido no País de Gales e radicado em Amsterdã, na Holanda, Greenaway, 65 anos, ficou conhecido por filmes como Afogando em Números (1988), O Cozinheiro, o Ladrão, sua Mulher e o Amante (1989) e O Livro de Cabeceira (1996), obras que buscaram interagir cinema, pintura, literatura e música. E interatividade, conforme explicou Greenaway, é a chave para compreender por que o cinema é uma arte que quase nada evoluiu desde sua invenção, há mais de cem anos, contando sempre da mesma maneira as mesmas histórias.
Segundo o diretor, o cinema foi saudado como a arte que uniria teatro, literatura e pintura, mas o que se viu foi um meio preso a uma estrutura narrativa literária, produtor de meros livros ilustrados. O arrazoado teórico invocado pelo cineasta não é recente nem original, mas tem em Greenaway um empolgado, sarcástico e bem humorado amplificador:
- O cinema tornou-se irrelevante e previsível. A menos que você seja um nostálgico, esse mundo acabou. Tem quem ainda gosta de disco de vinil e do ruído de agulha. Pode ser divertido, mas também sabemos que não se pode levar a sério. Toda a mídia tem de se reinventar para produzir algo novo.
Para Greenaway, quem está sob influência da Internet e da tecnologia digital espera mais do que uma postura passiva dentro da sala escura. Contrapõe sua frustração com o encantamento diante da revolução tecnológica.
- Sou um otimista com as possibilidades de interação abertas pela tecnologia. Mas é preciso começar tudo de novo, de um marco zero. Greenaway apresentou no Salão de Atos uma amostra de trabalhos recentes: uma intervenção audiovisual sobre a tela Nightwatching, do pintor holandês Rambrandt, o trailer de um longa baseado nesta tela, e trechos de Tulse Luper Suitcases, filme episódico com sete horas de duração - em outubro, ele apresentará em São Paulo um espetáculo multimídia com intervenções ao vivo sobre trechos de Tulse Luper Suitcases.