Outro dia um amigo do Facebook me mandou uma mensagem com dois vídeos anexados querendo minha opinião. Eram gravações caseiras de sua filha de 18 anos, cantora do grupo Samba e Amor, criado por ela e três amigos da mesma faixa etária, um tocando violão, o outro violão de sete cordas, e o terceiro, pandeiro. As músicas eram Feijoada Completa, de Chico Buarque, e Tristeza e Solidão, de Baden Powell e Vinicius de Moraes.
- No início considerei a ideia mera brincadeira e passatempo de adolescentes, inclusive em razão de não ser o tipo de música reverenciado por pessoas de tão tenra idade - contou ele. Mas resolveu assistir a uma apresentação do grupo em um bar e ficou espantado: não apenas eles eram muito bons, como o lugar estava lotado, com o público cantando junto sucessos do samba e da MPB.
Esse é mesmo um fenômeno que está ocorrendo em Porto Alegre já há algum tempo. Muitos jovens descobrindo o samba tradicional e a MPB dos anos 60 e 70. Como essa geração descobriu tal repertório, se praticamente não toca em rádio nem aparece na televisão? A descoberta da discoteca da família e das famílias dos amigos explica apenas em parte. A internet trouxe acesso à informação de tudo quanto é tempo, ok, mas há que se buscar a informação mais específica. Arthur de Faria atribui o fenômeno também à globalização, que faz as pessoas de certa forma quererem proteger suas particularidades, até inconscientemente reagindo às padronizações. Dois exemplos: no Rio, de uns 10 anos para cá, os bares da Lapa fervilham de jovens tocando choro e cantando samba. O mesmo se observa em Buenos Aires com o tango.
Artistas novos participam do processo, seja na sofisticação de uma bossa nova moderna, cool, seja no pagode joia popular da outra ponta. O detalhe é que não são essas músicas que a garotada de Porto Alegre a que me refiro toca e canta. São as antigas. Claro que há novos compositores, mas predomina a interpretação dos grandes mestres. A cidade nunca teve tantos bares dedicados à MPB e ao samba, entre eles Bar do Nito, Parangolé, Meme Santo de Casa (sede do Clube da MPB), Paraphernalia, Bar do Marinho. Lotam. Numa breve pesquisa, anotei mais de 30 nomes que se apresentam de forma mais ou menos regular nesses e em outros bares. Atenção, não estou falando de artistas novos como Gisele De Santi, Filipe Catto ou Marcelo Fruet, que até fazem e cantam samba, nem dos grupos de pagode, como Samba Tri e Zueira.
Falo de gente que, pode-se dizer, forma uma turma. Por exemplo, o destacado cantor Caio Martinez (especialista em Cartola) é amigo e parceiro do bandolinista Elias Barboza, um dos grandes novos chorões (vale lembrar que as oficinas de samba e choro do Santander Cultural revelaram muita gente). Alguns nomes: Rafael Ferrari, Cachaça de Rolha, Matheus Kleber, Mãe do Badanha, Fernando Sessé, Mathias Pinto, Panapaná (só Clara Nunes), Bibiana Petek, Pé de Samba, Nicola Spolidoro, Gafieira.com, Mariposas Cantantes, Zamba Ben, Tribo Brasil, Roda Viva e Carne de Panela - estes três, juntos, apresentam há cinco anos o show O Maestro, o Malandro e o Poeta, com músicas de Jobim, Chico e Vinicius, que já lotou até o Bar Opinião. Enfim, este texto vale como preâmbulo para uma matéria maior.
ANTENA - música para ver, ler, ouvir e dar passagem
> Almanaque Popular, de Luizinho Santos Octeto: Um dos grandes CDs de música instrumental já produzidos no RGS. Com arranjos e composições de Cristóvão Bastos, Jota Moraes, Dudu Penz e outros, exemplar desempenho de Luizinho (saxes, flauta), Bethy Krieger (pianos) e dos músicos Lucas Esvael, César Audi, Charão, Anjinho, Rafael Lima. Trabalho de alta precisão sonora em jazz e samba-jazz, forte candidato ao Prêmio Açorianos na categoria instrumental. Fumproarte, 2012. Contato: (51) 3331-5321.
> Fala Agora, de Samuca do Acordeon: Samuca (Samuel Costa) é um raro acordeonista gaúcho que escapa às grades do regionalismo sem deixar de ser bom também em chamamés, milongas e vanerões. Gravado em estúdio, este DVD começa com um chorinho, gênero que ele domina. E é uma demonstração de música instrumental de qualidade, com músicos como Rafael Ferrari, Cristian Sperandir, Arthur Bonilla, Sandro Bonato, Lucas Esvael e o convidado Luiz Carlos Borges. Fumproarte, 2012. Contato: www.samucadoacordeon.com.br
> A Saga de Luiz Gonzaga, de Dominique Dreyfus: Biografia de Gonzagão, cujo centenário de nascimento está sendo comemorado desde dezembro. A francesa Dominique viveu parte da infância e da adolescência em Pernambuco, onde aprendeu a amar a música do Velho Lua. Trinta anos mais tarde, durante um show dele em Paris, em 1986, teve a ideia de fazer sua biografia. Veio ao Brasil, fez longas entrevistas com ele e outras dezenas de pessoas que o conheceram. Ninguém escreverá livro mais afetivo e detalhado que este.
Editora 34, 1996, R$ 54.
*A coluna Paralelo 30, de Juarez Fonseca, será publicada uma vez por mês no caderno Cultura de Zero Hora.