No Festival de Cinema de Gramado o jornalista do Segundo Caderno Daniel Feix assistiu ao longa-metragem nacional Colegas e ao concorrente a longa-metragem latino Diez Veces Venceremos. Veja a opinião dele:
Colegas
De Marcelo Galvão
Nenhum outro filme exibido até aqui em Gramado 2012 tocou o público como Colegas. Com razão: muito bem produzido e encenado com rigor, o quinto longa de Marcelo Galvão (de Rinha e Bellini e o Demônio) tem uma capacidade de rir de si próprio que, em se tratando de um projeto protagonizado por atores com síndrome de Down, causa no espectador um efeito particularmente estimulante.
Longe, muito longe de qualquer sentimento próximo da autocomiseração, Galvão dedicou às pessoas que sofrem com a doença uma comédia com espírito de road movie e uma pegada nonsense - e plenamente compreendida pelos espectadores presentes no Palácio dos Festivais, que o aplaudiram em meio à projeção e, ao final, postaram-se de pé para saudá-lo.
Ainda que empilhe pelo menos uma dezena de rápidas citações cinéfilas, de Psicose a 8 e 1/2, de Jules e Jim a Blade Runner, Colegas não é daqueles filmes "de festival", que fazem da forma a sua principal força motriz. Inspirados em Thelma & Louise, os três jovens com Down (Rita Pokk, Breno Viola e Ariel Goldenberg) fogem da instituição na qual vivem internados com um Karmann Ghia roubado e tocam o terror numa viagem rumo ao Sul.
A trama quer encontrar um público de espírito jovem, disposto à diversão mais descompromissada, que fuja do politicamente correto e faça brincadeiras até mesmo com ofensas como "retardado" e "anormal". Ao que indica a recepção em Gramado, não terá problemas ao fazê-lo. Uma questão que fica: irá o júri de Gramado abraçar a sua proposta ou se deixar levar por projetos mais inventivos como Super Nada, de Rubens Rewald?
Diez Veces Venceremos
De Christian Jure
Se Colegas empolgou, o filme latino-americano exibido antes do longa de Marcelo Galvão provocou efeito contrário na plateia do Palácio dos Festivais. Representante argentino da competição, Diez Veces Venceremos é um documentário político sobre a perseguição do Estado chileno a um jovem mapuche (comunidade indígena habitante de regiões do Chile e da Argentina) que desafia as empresas florestais interessadas em ocupar as suas terras.
Ele se chama Pascual Pichun e foi condenado à prisão por provocar incêndios criminosos em protesto contra a ocupação de seu território. Fugiu para Buenos Aires, onde cursou jornalismo. A câmera de Christian Jure, autor de outros documentários políticos sobre minorias latino-americanas, acompanha a sua volta às origens, sete anos depois da fuga, para rever a família, instalar uma rádio comunitária que dará voz aos índios locais e, como ele próprio espera, ser recapturado pelas autoridades para cumprir o restante de sua pena.
Os motivos de Pichun e, por consequência, de Jure, são nobres. Sua abordagem, no entanto, é duplamente ingênua: o discurso unilateral resulta numa denúncia frouxa, que deixa o público sem entender objetivamente o processo que culminou com a prisão, e que se amalgama a uma construção formal pobre - Diez Veces... é filmado de maneira precária como certos títulos de festivais etnográficos. É uma pena, porque a causa indígena inspirou filmes que renderam alguns dos bons momentos de Gramado em edições recentes - com Serras da Desordem e Corumbiara, por exemplo. Desta vez, foi diferente.