O grande mistério em torno da entrega do próximo Prêmio Camões é se o seu homenageado irá recebê-lo. A organização do prêmio divulgou agora há pouco que Dalton Trevisan, um dos reclusos mais famosos da literatura brasileira, é o vencedor deste ano da premiação, a mais importante em Língua Portuguesa, que havia sido entregue em 2011 ao português Manuel António Pina. O autor paranaense vai receber 100 mil euros pela distinção (o equivalente a R$ 268 mil)
Dalton Trevisan nasceu em Curitiba em 1925, e é unanimemente apontado como um dos grandes contistas do idioma, dono de uma prosa e de um estilo peculiares, reconhecíveis à primeira leitura: um cruzamento entre o coloquial e o conciso, mesclas ásperas entre a prosa e a poesia. Trevisan é autor de mais quatro dezenas de livros, dentre os quais se destacam Ah, é?, A Guerra Conjugal, A Polaquinha, Arara Bêbada, 111 Ais, Pico na Veia e o recente O Anão e a Ninfeta, lançado em 2011. É deste último volume o conto Escritor, breve relato que pode dar uma amostra de seu estilo:
- Me fiz de bêbado entre os bêbados, para ganhar os bêbados.
Me fiz de tudo para todos, para por todos os meios chegar a entender um só - ai de mim!
Trevisan vive em Curitiba, não dá entrevistas, não faz sessões de autógrafos, não tira fotos (as últimas imagens registradas do escritor foram feitas às escondidas durante um passeio pelas ruas da capital paranaense). Homem de hábitos arraigados e avesso à publicidade, o autor não participa de eventos literários e rompe relações drasticamente com amigos suspeitos de revelar sua intimidade à imprensa.
Foi o que aconteceu com o crítico e escritor Miguel Sanches Neto, que de discípulo passou a desafeto depois que Dalton suspeitou que o amigo havia sido a fonte para uma reportagem da revista Veja sobre seus itinerários curitibanos. Sanches Neto recontou o caso em versão ficcional no romance Chá das Cinco com o Vampiro, de 2009 - "O Vampiro de Curitiba" é um dos apelidos dados a Trevisan pelos seus hábitos reservados. A expressão é também o título de outro de seus livros mais conhecidos.
O Prêmio Camões existe desde 1989. O primeiro agraciado foi o português Miguel Torga. De lá para cá, outros grandes nomes já receberam a distinção, como os brasileiros João Cabral de Melo Neto, Rachel de Queiroz, Jorge Amado, Ferreira Gullar e Lygia Fagundes Telles; os portugueses Vergílio Ferreira, José Saramago, Lobo Antunes, Eduardo Lourenço e Sophia de Mello Breyner Andresen; e o angolano Pepetela.
Não é a primeira vez que o Camões premia um autor conhecido pela reclusão. Em 2003, o brasileiro Rubem Fonseca, premiado, foi à cerimônia. Em 2006, o angolano José Luandino Vieira recusou o prêmio por "razões íntimas e pessoais".