Um peixe nadando em outro oceano. É assim que Césio Peixoto, 65 anos, doutor em Direito e proprietário do Choro Jazz Café, espaço que será inaugurado nesta segunda-feira (10), em Porto Alegre, descreve o olhar que recebe dos antigos colegas professores.
— E realmente é isso mesmo, não é? — reflete o professor aposentado, um verdadeiro apaixonado pelo pandeiro. — Eu estou realizando um sonho.
Depois de lecionar Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) por três décadas, Peixoto decidiu unir sua paixão pela música à educação musical, às artes plásticas e à gastronomia. Assim, nasceu o Choro Jazz Café, novo espaço multicultural localizado na rua Santana, 51, no bairro Farroupilha.
— Na verdade, sempre gostei de dançar muito. E o dançar e a tensão da advocacia, do ser professor, me levaram a buscar algo lúdico. E eu me joguei no pandeiro. Na verdade, o pandeiro foi abrindo um caminho musical para mim — explica.
Esse caminho desemboca no novo empreendimento. O local conta com uma cafeteria, que também serve almoços, um estúdio e áreas para receber eventos e oficinas.
Como a antiga fachada ainda indica temporariamente, o espaço inicialmente se chamava Café Estúdio Santana 51 e chegou a operar por quase um ano, a partir de maio de 2022, sem uma programação com grandes divulgações. Agora, buscando dar um maior enfoque artístico, com destaque para a música, foi repaginado e, assim, passou a se chamar Choro Jazz Café. O processo contou com a orientação do bandolinista, compositor, produtor e educador musical Elias Barboza, 36 anos, que assumiu a direção cultural do espaço.
— Eu entrei dando uma injeção de ânimo nele: vamos lançar, vamos mudar o nome, vamos trazer pessoas, montar uma programação — explica Barboza.
Os dois se conheceram em um projeto musical de oficinas do Santander Cultural, ministradas entre 2017 e 2018. Barboza morava em Torres havia dois anos e voltou para Porto Alegre para construir o projeto do café junto ao ex-professor.
— O espaço valoriza muito a arte, então as pessoas que entrarem aqui vão ver obras de arte espalhadas por todo o local — destaca o músico.
A inauguração, nesta segunda-feira, contará com show do Elias Barboza Quarteto, formado por Barboza no bandolim, Caio Maurente no contrabaixo, Lucas Fê na bateria e Luiz Mauro no piano. O grupo unirá o choro do bandolinista com o jazz do trio, tocando clássicos da música brasileira e do jazz e interpretando composições de Barboza. O Choro Jazz Café abre às 19h, com entrada franca e contribuição espontânea. O show se inicia às 20h, com participações de Juliana Rosenthal na voz e de Peixoto no pandeiro.
Três andares de muita arte
A casa tem três andares e está sendo montada há seis anos por Peixoto, com o auxílio do artista e gerente do local, Jorge Luiz Piasson, que, além de criar obras artísticas no espaço, executou a reforma.
Nas paredes e no chão do café, há obras de Piasson, que esculpiu violões e pandeiros. O espaço tem ainda pinturas de Heitor dos Prazeres, artesanato, bem como ilustrações de Aldemir Martins. O primeiro andar conta com um café com três ambientes e um piano. No segundo, há um estúdio, com uma sala técnica e duas salas de gravação, onde também serão ministradas aulas de música.
No terceiro andar fica o sótão, recém-finalizado, que receberá shows intimistas. Nesse espaço, há xilogravuras de Salomão Scliar da década de 1940. O sótão é decorado com obras e instrumentos musicais, fixados por toda a parede. O local promete ser o mais instigante de todo o café.
— Eu fui construindo aos poucos o espaço, com muito carinho, olhando cada coisa, cada espaço — destaca Peixoto.
Durante quase dois anos, o antigo Café Estúdio Santana 51 esteve fechado para o público, sendo utilizado apenas para gravar um álbum do cantor de samba Nêgo Izolino. O estúdio também era emprestado para ensaios de outros músicos gaúchos.
A partir de agora, o enfoque educacional e social será uma das prioridades. O ex-professor concebeu o Choro Jazz Café como um espaço para o desenvolvimento de projetos que apoiam quem deseja aprender música mas não tem condições financeiras. Haverá, portanto, cursos com bolsas.
Barboza ministrará o curso gratuito de Prática de Orquestra de Choro + Roda de Choro Didática, aos sábados, a partir de maio. Outros cursos, como Composição de Choro, Improvisação no Choro, bandolim, cavaquinho e violão, também estarão disponíveis, com valores acessíveis. As inscrições podem ser realizadas por esse link.
Peixoto, por sua vez, ministrará um curso gratuito de Pandeiro Inclusivo. O ex-professor, que sempre teve vontade de trabalhar com musicoterapia, desenvolveu um sistema de estudo do instrumento de modo a facilitar o aprendizado, com foco em idosos, deficientes visuais e deficientes auditivos. O curso, desta maneira, terá um viés de acessibilidade, relacionando-se à técnica de interesse de Peixoto.
— Acredito que a música, a dança e, no meu caso, o pandeiro são verdadeiros mantras que tratam da ansiedade e poderão contribuir de forma muito boa para a saúde das pessoas. É isso que me move nesses últimos anos — conta.
Um local para unir diversas tribos
A principal característica da casa será o multiculturalismo. Os frequentadores poderão apreciar o samba de Nêgo Izolino e de Alemão Charles, o blues de Luciano Leães, o choro jazz de Elias, o jazz brasileiro de Jorginho do Trompete, a MPB de Flávio Medina, além de cantoras e instrumentistas que farão parte da programação.
— A minha vida toda eu toquei choro, eu toco bandolim, mas tem crescido imensamente a minha admiração pelo jazz. Eu vejo em Porto Alegre o movimento de música instrumental, e também do jazz, muito forte. Cada vez mais estão surgindo projetos — acrescenta Elias, citando como exemplo o POA Jazz Festival.
Nem sempre o choro dialoga com o jazz, mas o músico acredita que os dois têm tudo para isso.
— Dizem que o choro é o jazz brasileiro, porque ele também tem muito da improvisação, da liberdade dos músicos. Então, acho que citar essas duas palavras diz muito dessa minha busca pessoal de ir em busca do jazz e ser um chorão, mas também diz muito sobre o espaço, de ele unir diversas tribos — ressalta.
A programação musical promete movimentar o espaço já nas próximas semanas. No dia 17, Jorginho do Trompete e Luiz Mauro Filho se apresentarão. Já no dia 23, o Choro Jazz Café celebrará o Dia Nacional do Choro, com diversos chorões, a partir das 14h. No dia 29, o local receberá um evento de forró. Além disso, os sábados e domingos contarão com rodas de samba.
— Acho que a característica principal é essa: ser um local aberto e de inclusão. Acho que tem tudo a ver com esse momento que a gente vive da diversidade, da inclusão — avalia Peixoto.
— Espero que aqui se crie um ambiente acolhedor para todos que vierem, que se sintam bem, e a gente com certeza vai dar o nosso melhor, oferecendo uma música de qualidade — pontua Elias.