Aos 81 anos, um dos maiores ícones do rock e da música pop brasileira se despediu. Um tremendo símbolo da Jovem Guarda. Tremendão. Também conhecido como Gigante Gentil. O amigo de fé e irmão camarada de Roberto Carlos. Erasmo Carlos morreu nesta terça-feira (22). O cantor e compositor estava internado no Hospital Barra Dór, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro (RJ). A causa da morte ainda não foi divulgada. Ele deixa esposa e três filhos.
No início do mês, Erasmo recebeu alta após ficar internado no hospital, com um quadro de edema. O Tremendão chegou a ser alvo de notícia falsa que afirmava que ele havia falecido no dia das eleições, mas o boato logo foi desmentido. Ele mesmo brincou com o boato de morte ao desmenti-lo, quando postou uma foto em pé, próximo da janela do hospital e escreveu: "Estou muito vivo".
Na ocasião, o músico estava internado desde 17 de outubro para passar por exames e realizar a readequação de medicamentos de uso contínuo. No entanto, o período no hospital foi estendido após Erasmo apresentar um quadro de síndrome edemigênica, que implica em inchaço devido ao mau funcionamento de um ou mais órgãos como rim, fígado ou coração. Segundo informações da TV Globo, ele chegou a ser entubado na última segunda-feira (21).
Erasmo foi premiado na última quinta-feira (17), com um Grammy Latino na categoria de Álbum de Rock ou Música Alternativa em Língua Portuguesa, pelo álbum O Futuro Pertence À... Jovem Guarda (2022) — último disco que ele lançou. Sua última publicação no perfil do Instagram, no dia 18 de novembro, agradece ao prêmio: "É tão importante entender o conceito, quanto ouvir a música… Existem várias formas de amor, e eu preciso de todas. Obrigado a todos que contribuíram para mais essa vitória, esse Grammy é o reconhecimento do nosso trabalho. O Futuro Pertence à Jovem Guarda!".
Da Tijuca para a Jovem Guarda
Nascido em 5 de junho de 1941, Erasmo Esteves cresceu na Tijuca, na zona norte do Rio de Janeiro. Fã de rock e bossa nova, ele se reunia com uma turma de jovens no Bar Divino, na companhia de nomes promissores como Tim Maia e Jorge Ben. Mais tarde, conheceria um capixaba aspirante a cantor chamado Roberto Carlos.
Após assistir a um show de Bill Haley no ginásio do Maracanãzinho, ele se inspirou a montar sua própria banda, The Snakes. O grupo com dissidentes de outra banda local, os Sputniks, que encerrou as atividades após uma briga Roberto Carlos e Tim Maia. Snakes lançariam apenas um LP em sua trajetória, Só Twist, em 1961. Como nem nesta oportunidade o grupo alcançou o sucesso, seu final foi decretado.
Sem banda, Erasmo passou a trabalhar como assistente do apresentador e produtor Carlos Imperial. Em seguida, ele passaria a integrar o grupo Renato & Seus Blue Caps, em 1962, dividindo os vocais com o baixista Paulo César.
Aliás, os Blue Caps acompanhariam Roberto Carlos na gravação de Splish Splash, em 1963, numa versão para o português feita por Erasmo. Seria o nascimento da lendária parceria entre Roberto e Erasmo. Juntos, eles assinariam clássicos Quero Que Vá Tudo Pro Inferno, É Preciso Saber Viver e Se Você Pensa, alimentando suas carreiras reciprocamente.
Erasmo adotaria o Carlos ao seu nome artístico em homenagem tanto a Roberto quanto a Carlos Imperial. Naquela primeira metade dos anos 1960, o músico se consolidaria como compositor e versionista para vários artistas. Ele lançaria seu primeiro disco solo em 1965, A Pescaria. Com bastante influência do surf rock, o álbum trouxe sucessos como Minha Fama de Mau e Festa de Arromba.
Erasmo ganharia projeção mesmo pela televisão: entre 1965 e 1968, ao lado de Roberto e Wanderléa, Erasmo apresentou na TV Record de São Paulo (também ganharia uma versão na TV Rio) o programa Jovem Guarda, cujo título dá nome ao movimento protagonizado pelo trio. Foi nesse período que ele ganhou o apelido de "Tremendão", como uma forma de referenciar seu estilo arrojado.
O programa não foi só uma tendência musical pelo seu rock iê iê iê, mas também de moda e comportamento: a partir de minissaias, calças saint-tropez, cores e estampas para mulheres, e pulseiras, anéis, colares e cabelos compridos para os homens. No livro Roberto Carlos: Por Isso Essa Voz Tamanha, do jornalista Jotabê Medeiros, há um relato de Wanderléa analisando que as roupas eram o resultado da liberdade pela qual se ansiava. “Se Celly Campello trouxe o rock para o Brasil, nós trouxemos a imagem do rock”, diz. Erasmo reflete também que, com a Jovem Guarda, “acabou o smoking no horário nobre da TV”.
Com o fim do programa e o esvaziamento da Jovem Guarda, Erasmo focou ainda mais na bossa e na MPB. No disco Erasmo Carlos e os Tremendões, de 1970, essa transição é visível. Carregado com canções mais reflexivas e uma sonoridade mais próxima do soul, do samba e do tropicalismo, o álbum ainda traria a bela e melancólica Sentado à Beira do Caminho.
A partir daí, Erasmo iria mesclar suas raízes roqueiras com as tendências da MPB ao longo da década de 1970. É a década de discos como Sonhos & Memórias 1941-1972 (1972) e Pelas Esquinas de Ipanema (1978). Mas, especialmente, é nesta fase que ele lança Carlos, Erasmo (1971), um de seus discos mais aclamados — com faixas como É Preciso Dar Um Jeito, Meu Amigo, Dois Animais na Selva Suja da Rua, Gente Aberta e Agora Ninguém Chora Mais. Em sua última entrevista a GZH, em novembro de 2021, Erasmo comentou sobre o álbum:
— Quando gravei, não imaginava que ia ser cult. Gravei como disco normal, que gravo sempre. Mas aí ele tomou um rumo diferente. As pessoas acham que indiquei vários caminhos para a música brasileira. Mas foi sem querer (risos).
Nos anos 1980, Erasmo flertaria com sintetizadores e a new wave, tendo êxitos com músicas como Mulher, Pega Na Mentira e Minha Superstar (do disco Mulher, 1980), Mesmo que Seja Eu (de Amar Pra Viver Ou Morrer De Amor, 1982) e Close (Buraco Negro, 1984), que foi inspirada na modelo Roberta Close. Aliás, em Buraco Negro ele celebra modernidade, trazendo um conceito sci-fi ao álbum, o que pode ser percebido na primeira canção do disco, Esse Imenso Fliperama, que traz o som do game Pac Man em sua introdução.
Erasmo trabalharia esporadicamente durante a década de 1990, em um período em que regravaria antigos sucessos, participando de homenagens à Jovem Guarda e de discos-tributos. A partir da virada do século, Erasmo lançaria álbuns como Rock 'n' Roll (2009), celebrando suas raízes roqueiras; o picante Sexo (2011), recheado de apologias ao ato; o romântico e elogiado Amor é Isso (2018). O Tremendão lançou até um EP de samba, intitulado Quem Foi Que Disse Que Eu Não Faço Samba... (2019).
Foi em 2019 que Erasmo se casou com a pedagoga Fernanda Passos, 49 anos mais jovem que o cantor. Aliás, o álbum Amor é Isso é dedicado a ela.
Nos últimos anos, Erasmo travou batalhas pela vida e acumulou vitórias. No primeiro semestre de 2021, o músico anunciou que estava curado do câncer de fígado que enfrentava há quatro anos. No final de agosto, enfrentou a covid-19 e, novamente, venceu.
Quando conversou com a reportagem de GZH, em novembro de 2021, Erasmo estava feliz por ter se tornado bisavô em setembro do ano passado, além de estar empolgado pela retomada de seus shows, que teria início em Porto Alegre.
— Aos poucos, vou retomando minha vidinha antiga — celebrou.