Em fevereiro do ano passado, Linn da Quebrada embarcou pela primeira vez em um avião rumo a uma viagem internacional para lançar, no Festival de Berlim, o documentário Bixa Travesty.
O filme estreia nesta quinta-feira nos cinemas de Porto Alegre e mostra outra faceta da artista que já se autodenominou uma terrorista de gênero e ficou conhecida por suas apresentações potentes em que convoca, a partir da batida do funk, da música pop e de outras experimentações sonoras, o “macho discreto” para bater um papo reto.
– Tenho recebido muitos comentários de pessoas que agora conseguem me entender de uma forma mais completa e complexa, para além da música e de tudo o que já venho trabalhando. Acho importante perceber que construo nas minhas fragilidades as minhas potências. Invento forças a partir do meu corpo e das minhas relações. Isso tudo, de alguma forma, faz com que, não só eu, mas outras travestis e outros corpos desobedientes das normas passem a ser vistos de forma mais humanizada, mais próxima e mais íntima também – afirma a artista, que, no sábado, se apresenta no Vila Flores, no festival Kino Beat – Arte em Movimento (confira a programação em kinobeat.com).
Dirigido por Claudia Priscilla e Kiko Goifman, o filme levou o Teddy Awards, destinado a obras com temática LGBT+, de melhor documentário na Berninale, uma das principais mostras de cinema do mundo. Linn também aproveitou aquela viagem para realizar oito shows, o que chamou de Trava Tour Europeia – hoje, a artista já contabiliza 10 turnês fora do Brasil. Sobre as experiências em Berlim e longe do país, ela reflete:
– Me sinto contribuindo muito para a cultura e o pensamento da Europa. As pessoas valorizam a minha produção de conhecimento. Sempre deixo muito transparente que o que estou indo fazer lá é justamente dividir e cobrar deles essa reparação histórica, entendendo que a Europa é uma das responsáveis pela nossa colonização – afirma a cantora.
– Por construir algo honesto com o meu trabalho, sou recebida calorosamente. Mas, quando estou andando pelas ruas, percebo o meu corpo para além dessa proteção que os privilégios da arte me proporcionam, com os atravessamentos raciais, de gênero e os relacionados a ser uma estrangeira.
Na palavras de Linn, no Exterior, ela continua sendo “esse corpo negro e travesti ocupando espaços com um discurso, de alguma forma, inesperado”.
Televisão
São vivências que a ajudaram a expandir o campo de atuação. Hoje, ela está na TV aberta, na Globo, no ar como a estudante trans Natasha na série Segunda Chamada, protagonizada por Deborah Bloch. No programa TransMissão, veiculado pelo Canal Brasil, entrevista, ao lado da amiga e cantora Jup do Bairro, personalidades como a chef Paola Carosella, a psicanalista Maria Rita Kehl e o músico Tom Zé.
– Estou realizada. Acho muito importante que eu esteja compondo esse cenário de uma maneira a inventar novos imaginários sociais para os nossos corpos. Para mim, isso tudo é uma grande disputa, de narrativa e de linguagem.
Ao mesmo tempo em que desbrava novos territórios artísticos, Linn da Quebrada segue lançando músicas e percorrendo o Brasil com a turnê de Pajubá, seu primeiro álbum. O show de sábado no Vila Flores será um dos últimos do disco lançado em outubro de 2017, uma apresentação, nas palavras de Linn, que “se transformou muito durante esses dois anos”.
– Nós crescemos, estou sempre em trânsito. Para mim, é muito importante voltar a Porto Alegre para celebrar o fim de Pajubá. Gosto muito da destruição, porque destruição e criação caminham juntas. Morte e vida. Quero poder finalizar essa era para construir uma coisa nova e inventar um novo show. Estou megaentusiasmada – afirma a artista, que planeja lançar um disco no ano que vem.
A inspiração do novo trabalho é o projeto Trava-Línguas, performance em que Linn da Quebrada improvisa ao som de música eletrônica e que passou pela Capital no ano passado.