O Acampamento Farroupilha tem finais de semana ruidosos, com gaiteiros e violonistas circulando pelos piquetes. Além disso, no palco principal, todas as noites há alguma atração artística disposta a animar a gauchada. Porém, na maior parte do tempo, os acampados precisam apelar para a tecnologia digital para driblar o silêncio. Pelas alamedas do parque, cada caixa de som ecoa uma coleção diferente de músicas, que não estão nas playlists de plataformas de streaming, mas nos pen drives dos acampados.
No piquete Gamboa, por exemplo, a tarde de segunda-feira começou com a faixa Maragato de Bagé, de Pedro Raymundo (1906–1973). Trata-se de uma gravação rara, cuidadosamente digitalizada e repassada para o pen drive. A canção não pode ser encontrada em plataformas como Spotify, apenas em vinis ou no acervo digital de ouvintes dedicados como a turma do Gamboa. Patrícia Soares, que cuidava sozinha do piquete no início da tarde, enquanto os demais acampados dormiam, não tem ideia de quantas faixas há no dispositivo, mas assegura que a lista é longa:
– Temos música para dias inteiros no pen drive.
Raridades de artistas como Pedro Raymundo convivem com sucessos regionais recentes. Mesmo nas horas mais tranquilas da tarde, a trilha sonora mais frequente é de artistas bem-humorados como Mano Lima e Baitaca, ou então de sucessos dos bailes, como Os Serranos e Os Monarcas.
João Paulo Minuscoli, prestador de serviços de arquitetura e assador profissional, apegava-pse à batida forte d’Os Serranos enquanto preparava o fogo para assar sozinho 22 quilos de costela e vazio no piquete 30 de Abril.
– Desde que seja música gaúcha, pode vir de gaita, violão ou pen drive – afirma o assador.
Além das caixas de som de cada piquete, o Acampamento conta com a Rádio do Parque, com funcionamento restrito aos amplificadores atados aos postes do Parque Maurício Sirotsky Sobrinho. A rádio funciona exclusivamente com locutores voluntários. A programação musical segue a tendência da maioria dos piquetes: temas galponeiros com ritmo forte.
– Tocamos muita vaneira, xote e bugio. É música para deixar o pessoal animado – explica o locutor Adão Barreto. – Também abro o microfone para ler poemas e diariamente fazemos uma oração.
À noite, com a chegada de grupos de amigos para as churrascadas, os pendrives muitas vezes cedem espaço para a música ao vivo. No piquete Querência Amada é assim – todas as noites, o gaiteiro Ari Goulart abre o fole de gaita para alegrar os amigos. De Dionísio Cerqueira, no Paraná, há 16 anos ele vem a Porto Alegre para curtir a Semana Farroupilha ao lado de parentes e amigos.
– O bom daqui é o movimento, a diversão. Isso justifica tudo – afirma Goulart.
Um trovador via USB
Todos os dias, uma caixa de som atravessa de ponta a ponta o Acampamento Farroupilha. É o instrumento de trabalho do trovador Vitor Hugo Medeiros Júnior. O artista tem as bases musicais que usa para declamar seus versos em dois pen drives que acopla ao amplificador. É só apertar play e sair improvisando.
– Tenho sempre dois pen drives. Se um falha, posso contar com o outro. Sem isso ou sem a caixa de som, eu estaria perdido – avalia Vitor Hugo.
O artista, que se dedica aos versos há mais de 10 anos, passa diariamente pelos piquetes para divulgar sua arte. Com as demonstrações é contratado para shows e eventos.