Há 30 anos, os telejornais de todo o país davam uma fatídica notícia: a morte do cantor Raul Seixas, aos 44 anos, vítima de uma parada cardíaca no dia 21 de agosto de 1989. Seu último show foi em 13 de agosto daquele ano, em Brasília.
Quando foi avisado da morte de Raulzito, o escritor carioca Paulo Coelho, 71 anos, um dos maiores parceiros musicais do baiano, teve uma reação inusitada: ficou feliz.
— Senti uma imensa alegria. Parecia que aquilo tinha sido um desejo do Raul. Comecei a cantar nossas músicas. Foi mais ou menos na véspera do meu aniversário. Eu chorei seis meses depois, quando a minha ficha caiu — conta o escritor.
Para o escritor, o sentimento era que Raul Seixas tinha tido uma vida intensa, legal.
— Tem artistas que você tenta a todo custo promover após a morte e não acontece nada. Com o Raul aconteceu de uma forma espontânea. Ele sobreviveu esses 30 anos porque havia uma consistência nas músicas e na personalidade dele.
O autor de O Alquimista afirma que é muito criticado por fãs de Raul, que o culpam pela morte do astro do rock. Para Coelho, essas pessoas são "raulseixistas fanáticos".
— Eles dizem que eu introduzi o Raul às drogas, o que é verdade, e que ele morreu por isso. Porra, quando conheci o Raul ele era casado, tinha uma filha, ganhava dinheiro e se sustentava. Não era uma personalidade fraca. Eu não faria um cara se destruir. Estou com a minha consciência ok.
Eterna viagem
Paulo Coelho e Raul Seixas se conheceram no início dos anos 70. Em conversa com a reportagem, o escritor afirma que os dois tinham personalidades muito diferentes, o que gerou alguns conflitos entre eles, e revela o único momento da vida em que odiou o Maluco Beleza: quando caiu na censura da ditadura militar.
— Fui preso por causa das músicas. Quando saí da prisão, o Raul sumiu e não me deu nenhum apoio. Acho que nesse momento eu odiei ele. Sumiu todo mundo, não só ele. Foi o único momento em que me senti tremendamente só.
Depois deste episódio, relata o carioca, a relação profissional dos dois continuou. Eles ainda lançaram dois discos juntos — Novo Aeon (1975) e Eu Nasci Há 10 Mil Anos Atrás (1976). Mas a amizade nunca mais foi a mesma. Eles até ensaiaram uma volta, mas não deu muito certo.
Os momentos felizes, entretanto, foram vários. A exemplo do primeiro encontro deles e das viagens que faziam de carro, do Rio para a Bahia. O gatilho para a composição de Gita, um dos maiores sucessos de suas carreiras, veio em um desses itinerários. Coelho afirma que foi ali, naquela "eterna viagem" que apresentou a história do livro sagrado hindu Bhagavad Gita para Raul.
— Eu estava comentando com o Raul como era a luta entre Arjuna e os inimigos. Tem um momento que Deus, ou o Senhor Iluminando vem assistir a batalha. O guerreiro Arjuna diz: "Quem é você?". E aí o Senhor Iluminado, Krishna, define-se, usando metáforas — relata.
Quando chegaram na casa de Raul em Dias D'Ávila, na Bahia, o cantor propôs que fizessem uma música sobre aquilo.
— Em cinco minutos eu fiz a letra. As melhores coisas que fiz na vida saíram rápido — conta.
O título original da canção era A Letra A tem Meu Nome, e a duração ultrapassava os habituais três minutos exigidos pelas gravadoras. Coelho afirma que pediu para Raul cortar os excessos da letra.
— Ele disse pra deixar como estava. Esse momento foi muito marcante. A gente sentado lá na cozinha dele, quando ele disse para a gente não cortar a letra (...) Era difícil peitar uma gravadora, assim como é difícil peitar uma editora. Mas sempre peitamos.
"Ele não é ninguém"
Coelho também conta um episódio triste de sua história com o parceiro, que aconteceu durante uma edição do projeto musical Noites Cariocas, sucesso dos anos 1980 que acontecia no Pão de Açúcar, na zona sul do Rio.
— O Raul já vinha por um processo muito complicado por causa do álcool. A gente chegou lá e o porteiro barrou o Raul. A gente disse: "Mas ele é o Raul Seixas". E o cara falou: "Ele já foi o Raul Seixas. Hoje em dia ele não é ninguém". Escutar uma coisa dessas dói.
Segundo a DJ Vivi Seixas, 38 anos, filha de Raul com Kika Seixas, Raulzito tem mais de 40 biografias dedicadas à sua vida e trajetória na música. Tanto ela como Paulo Coelho dizem que esses produtos estão aquém do que foi a existência real do baiano.
— Não deu para ler todas, mas as poucas que eu li não reconheci o meu pai ali, não reconheci muito das histórias. Infelizmente quando a pessoa se vai, ela não tem muito como desmentir, né. Acho que às vezes as pessoas se aproveitam um pouco — afirma a filha.
O amigo concorda.
— (Os autores) escolhem muito o lado trágico e não é bem o caso. Raul teve uma curva ascendente e depois uma descendente. Isso não é muito mostrado — diz Paulo Coelho.