Se Biba Meira começasse sua carreira agora, seria descrita como uma baterista empoderada. Mas Biba começou nos anos 1980, quando a expressão não era tão popular. Nas últimas três décadas, no entanto, a sonoridade tribal de suas batidas firmes ajudou a definir o que ficou conhecido como rock gaúcho e, sob a toada de suas baquetas, o DeFalla consolidou-se como uma das bandas mais criativas e influentes do Brasil.
Nesta quinta-feira, no bar Ocidente (Av. Osvaldo Aranha, 960), palco testemunha de grande parte dessa história, a baterista lança Suave Coisa Nenhuma, seu primeiro álbum solo. Concebido há cerca de cinco anos (antes, portanto, da gravação de Monstro, disco lançado após uma reunião-relâmpago do DeFalla em 2016), o álbum reúne o que se pode considerar um mosaico de referências e estilos de Biba à bateria: títulos de faixas como Samba Louquinho, King Crimson e Medley DeFalla dão uma ideia do seu universo sonoro. O que fermentava na cabeça de Biba ganhou vida graças a uma vaquinha online aberta no ano passado.
– Em 2014, fui convidada para tocar em um festival de bateria de mulheres em Curitiba (Girls on Drums) e aproveitei para gravar coisas que eu compus durante minha carreira, batidas esquisitas que nunca se encaixaram nas bandas em que toquei. Foi o impulso para tirar da gaveta coisas compostas e gravadas no passado – conta Biba.
Como não podia deixar de ser, o disco remete ao que Biba construiu no DeFalla (em 1987, chegou a ser eleita a segunda melhor instrumentista do Brasil pela revista Bizz, atrás apenas do guitarrista Edgard Scandurra, do Ira!). Não à toa, teve Edu K e Flu, integrantes da sua ex-banda, como produtores.
– Biba sempre foi uma batera sui generis. A história é famosa: conheci ela no ensaio da Urubu Rei (formada pelo produtor Carlos Eduarda Miranda com três futuros membros do DeFalla: Castor Daudt e Flu, além de Biba) e pensei "é a baterista da banda da minha vida". A bateria dela sempre foi a base do som do DeFalla. Em Suave Coisa Nenhuma, ela pôde deixar essas batidas quebradas, essas divisões estranhas, em destaque – conta Edu K.
Na semana passada, Suave Coisa Nenhuma rendeu à baterista o troféu de melhor instrumentista na categoria Instrumental do Açorianos de Música, prêmio mais importante do gênero no Estado. No palco para receber o prêmio, cercada por homens, Biba diz que lembrou o processo de produção do disco, gravado ao lado de um time exclusivamente feminino. Proposta que leva para o show, no qual terá a companhia de sua filha, Júlia Pianta, (percussão), Dejeane Arrué (trombone), Kiti Santos (sax), Clarissa Ferreira (violino), Natália Damiani (teclados) e Raquel Pianta (guitarra), muitas delas membros das Batucas, orquestra feminina de percussão criada por Biba que reúne 70 mulheres em Porto Alegre.
– Sempre dei aula de bateria e percebi que os guris tinham banda, tocavam em bares, e as gurias não. Em 2014, na apresentação de fim de ano dos alunos, falei para as meninas: "Vocês têm que ir para a rua, chega de tocar só na festa de fim de ano". No ano seguinte, criei As Batucas. Apesar de ter pouquíssima mulher no palco quando fui tirar a foto do Açorianos, o prêmio é algo muito importante para a nossa valorização, porque mostra que o esforço vale a pena. E que, apesar das dificuldades, dá para fazer –garante Biba.