O músico e ativista Marcelo Yuka morreu na noite de sexta-feira (18), aos 53 anos, no Rio de Janeiro. O compositor sofreu de um acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico e estava internado em estado grave com um quadro de infecção generalizada no hospital Quinta D’Or, em São Cristóvão. Na madrugada do dia 4 de janeiro, ele entrou em coma induzido.
Marcelo Fontes do Nascimento Viana de Santa Ana nasceu no Rio de Janeiro, em 31 de dezembro de 1965, e se tornou um símbolo da luta a favor do desarmamento após ter sido baleado e ficar paraplégico, ao defender uma mulher em um assalto.
— Estar tão perto da morte me fez sentir assim: "Eu sou o último de mim. Eu não tenho filhos". Esse impacto fez eu me prender a coisas essenciais — disse ele, em entrevista ao Conversa com Bial, em 2018.
O artista fundou O Rappa em 1993 com o baixista Nelson Meirelles, o tecladista Marcelo Lobato e o guitarrista Alexandre Meneses, conhecido como Xandão. Marcelo Falcão, vocalista do grupo, entrou mais tarde, após ver um anúncio da banda em um jornal.
Em 1994, eles lançaram seu primeiro álbum, O Rappa, que não obteve muito sucesso. Apenas dois anos mais tarde, com Rappa Mundi, a banda chamaria atenção do público e da crítica, com canções como Pescador de Ilusões e a versão de Vapor Barato, de Waly Salomão e Jards Macalé.
Lado B Lado A, terceiro álbum, repetiu o sucesso do anterior e garantiu o espaço da banda como uma das principais representantes do rock nacional. Em 2007, a revista Rolling Stones elegeu a obra como um dos 100 melhores discos da música brasileira.
Seus integrantes passaram a ser compreendidos como porta-vozes de um discurso que reverberava as injustiças sociais cometidas cotidianamente nas periferias e a efervescência política do Rio de Janeiro do fim do século 20, como na música Todo Camburão Tem um Pouco de Navio Negreiro, com trechos como "Quem segurava com força a chibata agora usa farda, engatilha a macaca, escolhe sempre o primeiro negro pra passar na revista".
Em 9 de novembro de 2000, Marcelo Yuka se tornou vítima da violência no Rio, tema recorrente em suas letras. Naquela noite, o músico ficou paraplégico após ser atingido por nove tiros ao tentar impedir que bandidos assaltassem o carro de uma mulher na frente do seu.
Depois disso, ele ficou impossibilitado de tocar bateria e passou a enfrentar a depressão. No documentário Marcelo Yuka no Caminho das Setas (2011), da diretora Daniela Broitman, o artista relembrou a fase:
— Eu não sei muito bem o que aconteceu. Eu só sei que eu sou baterista, tomei tiros, tô paraplégico e minha vida acabou. A minha grande pergunta é: o que eu preciso para viver em paz?
Yuka também falou sobre a importância da luta social nas letras do grupo:
— Eu não conseguia ver O Rappa apenas como uma banda de música e cumprindo só o papel de uma banda pop.
Em 2001, o músico foi expulso do grupo após brigar com os demais membros — a banda anunciaria seu término em 2017, após uma turnê de despedida marcada por evidências de um racha entre os músicos, que já não se falavam nem em cima do palco.
Na época, Yuka comentou sobre o término da banda para o jornal Folha de S. Paulo:
— Muitos do que estão no Rappa fui eu que coloquei. Quando tomei os tiros, tinha 34 anos, mas, sinceramente, parece algo que vivi na adolescência. Não me interesso por isso, brigas, se a qualidade do som é boa ou ruim, se estão com grana ou não. Isso não quer dizer que eu queira mal. Só não tenho interesse.
Depois disso, ele passou a se dedicar à banda Furto, sigla para Frente Urbana de Trabalhos Organizados e nome também de um projeto social que empreendeu. Também se dedicou aos movimentos sociais, principalmente aqueles ligados à habitação e à política. Em 2012, Yuka foi candidato a vice-prefeito do Rio pelo Psol, na chapa de Marcelo Freixo — Eduardo Paes, hoje no DEM e então no MDB, venceu no primeiro turno.
Essas e outras experiências ativistas foram revistas pelo músico na autobiografia Não se Preocupe Comigo, lançada em 2014.
Em 2017, Yuka lançou seu primeiro álbum solo, Canções para Depois do Ódio, com parcerias com Céu, Black Alien e Seu Jorge, entre outros. No trabalho, uniu ritmos afro-brasileiros e dub e versou críticas à ascensão conservadora no mundo, então concentrada na figura do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
— É triste ver como os fascistas parecem estar ganhando, então criei um universo pra depois disso. Tudo vale, menos o ódio. Acho que está muito pesado, então fiz um disco contra o fascismo — disse, à época.
A produção e a divulgação do álbum, contudo, foram atrapalhadas por problemas de saúde que o fizeram ser internado em várias ocasiões.
Naquele contexto, pensou em desistir várias vezes da carreira, até mesmo da vida, mas teve uma espécie de epifania: "Apesar de tudo, eu quero ser músico".
— Meu corpo se expressa pouco, mas a melhor defesa é o ataque. Tenho que propor algum tipo de movimento para que eu não fique tão estático — disse o músico em julho de 2018, quando finalmente se preparava para divulgar ao vivo essa estreia solo. — Esse é o grande desafio do cadeirante: eu tô imóvel, mas não tô estático. Estar voltando agora é isso.
Depois disso, passou a ensaiar com uma nova banda, na qual tocava tambores eletrônicos, e se dedicou à pintura.
Em agosto de 2018, Yuka sofreu um AVC (acidente vascular cerebral) e ficou internado por algumas semanas. Um mês antes do ocorrido, questionado se estava feliz, ele respondeu:
— Estou. Há muito, muito tempo não me sinto como hoje. A gente tem resultado de acordo com aquilo que foca. Eu acredito mais no trabalho do que na boa sorte. Estou focado em me restabelecer e voltar a trabalhar. Acho que isso vai me trazer dignidade. Não tenho aposentadoria, o que me leva a ter de trabalhar até o último dia de vida. Por outro lado, sempre imaginei ter a felicidade de morrer tocando, fazendo o que eu mais gosto. Passado meio século de vida, eu quero viver.
O corpo de Yuka foi velado na tarde do último sábado (19), na Sala Cecília Meireles, espaço dedicado a concertos na Lapa, no Rio. O enterro será neste domingo (20) às 13h, no Cemitério de Campo Grande, no Grande Rio.