Onze anos após a primeira apresentação e nove desde a última performance em Porto Alegre, Renato Russo – O Musical emocionou o público que foi ao Parque da Redenção, em Porto Alegre, no fim da tarde e início da noite quente deste sábado (29). Os detalhes que explicam o sucesso do espetáculo – assistido por cerca de 250 mil espectadores em mais de 40 cidades brasileiras – foram vistos também na capital gaúcha: músicas costuradas na hora certa para contar a vida do astro, uma interpretação e figurino fiéis e uma banda com apresentação talentosa.
O musical, previsto para as 18h, começou com 21 minutos de atraso, para que o sol se pusesse e as luzes do palco adquirissem mais proeminência. O fim de tarde quente em Porto Alegre, com 26°C, ajudou para que o público fosse numeroso e as centenas de pessoas se espalhassem até próximo ao espelho d'água da Redenção. A infraestrutura foi adequada, com diversas cadeiras de plástico espalhadas pelo gramado e vários banheiros químicos. No início do show, ainda no crepúsculo, muitos porto-alegrenses também se acomodavam sentados na grama, em cima de cangas e com chimarrão e cervejas.
Logo antes de Bruce Gomlevsky subir ao palco, chamou a atenção as vaias que a anfitriã do musical recebeu ao citar o nome de autoridades da prefeitura, entre elas o prefeito Nelson Marchezan, que ajudaram a viabilizar o espetáculo.
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Sem saudar o público – a interação com os espectadores seria pequena ao longo do show, mas sempre bem recebida – o ator Bruce Gomlevsky, representando Renato Russo, deu início ao musical interpretando Há Tempos, tocada em violão elétrico. Logo de cara, foi possível reparar em como os trejeitos de Renato Russo foram bem mimetizados pelo ator, que vestia um figurino desleixado típico do líder da Legião, com camisa branca larga e calça cinza. Ao fundo do palco, a banda Arte Profana tocava em uma espécie de aquário. Finalizada a canção, os aplausos e a primeira interação do ator com os presentes:
– Que calor. Que inverno é este? Parece o Rio de Janeiro – disse.
Ao longo do musical, Gomlevsky atua como se fosse o próprio Renato. Em primeira pessoa, conduz a biografia do cantor e fala de frente ao público como se conversasse com pais, amigos e colegas de banda. Ele mesmo interpreta as canções do líder da Legião e, por vezes, toca violão enquanto canta. A banda também não decepciona e faz o público, nas músicas de rock, ficar de pé e dançar.
Os principais momentos da vida e carreira musical de Renato Russo aparecem no musical: o diagnóstico na adolescência de epifisiólise, uma doença óssea que o deixou em uma cadeira de rodas por um ano e meio, os rolês com amigos em festas de filhos de políticos em Brasília, a imersão no movimento punk, a criação e fim da banda Aborto Elétrico, a carreira solo, o sucesso com a Legião Urbana, a famosa briga no show em Brasília, a viagem para os Estados Unidos onde conheceu o namorado Robert Scott Hickmon, o uso de drogas como cocaína e heroína, a relação com o filho, o diagnóstico de HIV e sua posterior morte por aids.
Grandes hits foram tocados e despertaram uma reação maior do público, como Que país é esse?, Geração Coca-Cola, Eduardo e Mônica, Índios e Pais e Filhos. A escolha das músicas demarca bem a passagem do tempo e transição do rock para o estilo mais voz e violão.
A iluminação também ajuda a contar a história e, por vezes, dramatizar as situações. Ao injetar heroína com o namorado norte-americano, as luzes vermelhas dão conta da atmosfera pesada. Quando decide ficar "limpo", as luzes brancas trazem um aura de pureza à situação. Nesses momentos mais difíceis, o público fica em suspenso, absorvendo a tensão dos dilemas de Renato.
Gomlevsky também interpreta trechos de canções de outros grupos, como Sex Pistols, Cazuza, Pink Floyd, The Doors, The Cure e Laura Pausini. Momentos em que Renato Russo critica a política nacional – à sua época, as instabilidades da ditadura militar e do governo Collor – causavam reações mais exacerbadas do público, por dialogarem com as atuais incertezas na política.
Foi no terço final do espetáculo que houve a interação mais profunda: em Pais e Filhos, Gomlevsky sai do palco e estende a mão e abraça o público, protegido por um corredor de grade.
O fim do musical foi emocionante, com diálogos que mostram a proximidade da morte de Renato Russo e a despedida com pais, irmã, filho e os colegas da Legião Urbana. Em dado momento, Gomlevsky consegue fazer um momento "inception" e dialogar, ao mesmo tempo, com o público de um show de Renato e com o público do musical na Redenção:
– Vocês são a verdadeira Legião Urbana – diz, ao que os porto-alegrenses aplaudem e assobiam.
A aprovação foi tanta que, ao término do show, houve cinco bis. Na saída, o fluxo era tranquilo e monitorado pela polícia. Era possível ouvir várias pessoas elogiando o musical, mostrando que ele se prestou ao que veio: homenagear um dos maiores nomes do rock brasileiro.