Uma conhecida anedota diz que a palavra forró teria surgido de uma corruptela de "for all" ("para todos", em inglês) em bailes abertos ao público promovidos por trabalhadores gringos no Nordeste. O mais provável é que seja apenas uma lenda, verossímil por causa do espírito popular do ritmo, e a verdadeira origem tenha a ver com a expressão francesa faux-bourdon (algo como "falso bordão", uma técnica de harmonização musical). A natureza inclusiva do forró, principal gênero das festas de São João no Nordeste, voltou à debate em show de Elba Ramalho, no dia 11 de junho, em São Paulo, quando a rainha do baião desabafou sobre a invasão de artistas sertanejos na tradicional festa nordestina:
– É um direito dos cantores sertanejos estarem no São João, mas a grade não pode ser 18 sertanejos e dois forrozeiros. Não é Festa do Peão, é festa de São João – reclamou a cantora, um dos símbolos do gênero, sob aplausos: – Não quer dizer que não ache sertanejos maravilhosos, mas deixem junho para o São João.
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O discurso de Elba repercute a campanha #DevolvamMeuSãoJoão, alçada nas redes sociais e apoiada por músicos importantes da tradição nordestina, como Alcymar Monteiro e Chambinho do Acordeon, que reivindica mais arrasta-pé nas festas de junho. Marília Mendonça, uma das maiores artistas sertanejas da atualidade, respondeu no mesmo fim de semana, durante a festa de São João de Capitá, em Recife, dizendo que "vai ter sertanejo no São João, sim!".
Sem tanta influência de sertanejos e forrozeiros, quem promove festas juninas no Rio Grande do Sul vê a questão sob um aspecto menos mercadológico e mais de respeito às tradições: é comum por aqui fazer confusão entre as vestimentas de arraial e os trajes típicos do peão e da prenda gaúchos, por exemplo.
– Acredito na liberdade de expressão artística e do próprio ser humano – diz Liege Biasotto, uma das gestoras do Vila Flores, espaço que promove seu arraial colaborativo, com renda destinada para restaurar o galpão do complexo arquitetônico, neste sábado. – Nós criamos um conceito de festa junina, com aula aberta de forró, montamos um repertório de baião com a banda residente, mas não restringimos qualquer tipo de expressão. É um espaço diverso e plural – explica, deixando claro o espírito multicultural que a festa ganhou no Brasil.
Em defesa da diversidade
Organizadora de uma das festas de música brasileira mais populares de Porto Alegre, a Cadê Tereza?, Nanni Rios promoveu uma edição especial de São João na última quarta-feira. Tocou sertanejo, mas deu preferência aos ritmos nordestinos – jogo de cintura que considera necessário para quem for lidar com a questão:
– Tento enxergar os dois lados: o do público, que tem uma demanda e quer ouvir determinado tipo de música, e o de quem faz a curadoria, que tem que decidir o tom que vai ser dado à festa. Eu jamais faria uma festa de São João que não tivesse Luiz Gonzaga, Elba Ramalho, Alceu Valença, como não fiz – opina. – Mas não tem como virar as costas para o que o público quer ouvir.
Para quem já foi considerado "invasor", a campanha é perigosa e pode restringir a diversidade. Gaiteiro em sua terra natal, o músico gaúcho Renato Borghetti tocou quatro vezes no São João de Caruaru como sanfoneiro – fez parte do Projeto Asa Branca, uma homenagem de Dominguinhos a Luiz Gonzaga que reuniu nomes como Gilberto Gil, Alceu Valença e a própria Elba Ramalho, além de ter gravado com nordestinos como Sivuca e Hermeto Pascoal. Borghetti vê a integração de diferentes ritmos à festa como algo positivo.
– Sempre existiu uma música mais popular, como é o sertanejo hoje. Lembro da lambada, do forró universitário, do pagode. É algo natural, e acho que a peneira também acontece naturalmente. É claro que o artista típico tem seu lado, mas não vejo problema nenhum em colocar no mesmo palco, e acho inclusive que é possível aproveitar esses nomes mais fortes para respaldar outras atrações.