Se hoje o pop brasileiro tem sotaque inglês e batida latina, houve um momento em que a nossa grande influência musical vinha das canções românticas italianas. Um dos expoentes mais conhecidos desse impacto que a Itália teve sobre a música popular no Brasil a partir da década de 1990, Mafalda Minozzi apresenta-se hoje em Porto Alegre, no Sgt. Pappers Bar (Quintino Bocaiúva, 256), a partir das 21h, com o projeto Empathia. A apresentação faz parte do projeto Noites Especiais, de Antonio Villeroy (que deve participar do show, assim como Ana Lunardi).
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Acompanhada do guitarrista Paul Ricci, ela deve celebrar 20 anos de carreira no Brasil com um repertório que vai do jazz à bossa nova. Mafalda diz que artistas brasileiros como Milton Nascimento e Caetano Veloso fizeram parte de sua formação musical – que tem como base vozes do nível de Ella Fitzgerald, Billie Holiday e Edith Piaf:
– Foi estudando os tons e expressões dessas vozes que aprendi a medir a minha potencia natural. Isso me ajudou a vencer alguns concursos para jovens talentos na Itália, na década de 1980, que foi meu start para essa viagem musical. Agora, vou rever todas essas cores do jazz nesse novo momento – recorda a cantora, que vem à Capital após uma temporada de shows nos Estados Unidos, terra de Ricci.
No Brasil, Mafalda lançou 10 CDs, dois DVDs e 21 coletâneas, que a renderam músicas em novelas e filmes. Agora, aposta em um show mais conceitual, com ares de jam session e liberdade para improvisos. Os ingressos custam R$ 50, à venda no local.
Leia trechos da entrevista da Mafalda Minozzi a ZH:
De que maneira sua vivência no Brasil e sua intimidade com a cultura daqui influenciaram na sua escolha por testar os elementos musicais da bossa nova, um gênero tipicamente brasileiro?
Eu nunca tinha viajado para o Brasil, mas já era fascinada e atraída pela bossa nova que ouvia, especialmente na voz de João Gilberto, Elis Regina e Tom Jobim. Eu era capturada pelo balanço de ritmo e palavras que se encaixavam como uma dança perfeita entre as sílabas, a batucada e a doçura infinita de paisagens exóticas e tranquilos. Lembro perfeitamente quando comecei essa "paquera" com a bossa e quis explorar, com meu português ainda bastante primitivo, as "nuances" do canto, mas admito que, na Itália, não foi fácil, nem possível, sentir aquele som na sua forma verdadeira. Desde minha chegada ao Brasil, quando comecei interagir com os músicos brasileiros, como Nico Assumpção, Luiz Avelar, Jurim Moreira, Luis Carlos Vinhas, eu definitivamente senti aquele encanto, aquele balanço, aquela inspiração na pele, até minhas veias, e naquele momento eu decidi que queria crescer musicalmente, estudar, aprender, metabolizar para um dia ser pronta para falar aquela mesma linguagem (mesmo com sotaque!). Durante todos estes anos, mesmo cantando a música italiana, meu som se transformou pouco a pouco, com estas influências abrindo espaço para outras dinâmicas, cores e improvisos.
Você diz que, nessa nova fase, você vai testar as sonoridades do jazz. Quem você considera que fez isso da melhor forma na música brasileira?
Quando vi Cauby Peixoto ao vivo e ouvi sua musicalidade, a maneira como ele fraseava, veio na minha cabeça um disco que estava ouvindo muito, de Coleman Hawkins. Sei que ele não é um cantor de jazz, mas aquele velho instrumentista "cantava" em seus solos, referenciando-se muito na melodia. Quem poderia ser mais Miles Davis do que João Gilberto? Emílio Santiago não era chamado de "Nat King Cole brasileiro" à toa. O samba jazz do Rio de Janeiro, para mim personificado no grande Edison Machado, colocou a linguagem jazzística no patamar do Elvin Jones ou Art Blaky.
Quais você acha que são as melhores características de sua parceria com o guitarrista Paul Ricci?
São muitas, mas gostaria ressaltar duas: a possibilidade de criar uma identidade de arranjo em comum, que deixa músicas que talvez não tenham nada a ver conversarem. A segunda é que eu, como interprete vinda da cultura italiana, onde a voz lírica está ligada à regência da orquestra, encontrei certos limites quando precisava obedecer a uma métrica de baixo e bateria. Com o duo, respiramos tanto juntos que conseguimos arriscar na corda bamba a possibilidade de abrir o pulso da musica e criar uma batida mais elástica, onde as cordas da guitarra e da voz não são impedidas de ressonar. Nem sempre dá certo, mas a corda bamba é feita para isso.