Enquanto se amarga a notícia de que a maioria dos brasileiros não tem o costume de ler livros, de acordo com a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, a Feira do Livro de Porto Alegre encerrou sua 70ª edição comemorando um aumento no número de vendas. Foram 241.246 obras comercializadas em 20 dias, crescimento de 14% em relação ao ano passado.
Os dados foram divulgados no fim da tarde desta quarta-feira (20), último dia de evento. O patrono Sergio Faraco reforçou o tom de superação pelo fato de a edição ter sido realizada logo após a enchente que devastou o Rio Grande do Sul.
— Esse aumento nas vendas foi um grande êxito, porque a enchente afetou não só os livreiros como os patrocinadores da Feira — observou o escritor.
Responsável pela programação da área adulta, Sandra La Porta acrescentou:
— Era preciso que a Feira saísse para que os livreiros pudessem se recuperar. Recebemos tanto incentivo dos autores e dos colaboradores que em nenhum momento duvidei de que teríamos uma grande Feira.
Depois da coletiva, Faraco e integrantes da Câmara Rio-Grandense do Livro (CRL) realizaram o tradicional cortejo pelas bancas de livros, tocando música, cantando e distribuindo rosas para o público. Os semblantes contentes, inclusive dos mais jovens, deixavam claro o carinho das pessoas pela Feira.
Os primos Paulo Henrique Chalmes, 23 anos, e Alessandra Brito, 27, quase perderam a edição deste ano — não haviam ido a nenhum dia, mas aproveitaram o Dia da Consciência Negra, celebrado pela primeira vez como feriado nacional, para resgatar o costume de infância de ir todos os anos à Praça da Alfândega com a avó, falecida na pandemia.
— A gente chegava sempre na estreia da Feira com a nossa avó. Hoje estamos aqui no último dia sem ela, sem nossas mães, mas está sendo muito especial — disse Paulo.
Jornalista recém-formado, o rapaz adquiriu dois livros de autores negros, entre eles o mais recente de Jeferson Tenório, De Onde Eles Vêm (Companhia das Letras, 2024). Publicitária, Alessandra levava três livros para casa, entre eles o da escritora e ativista norte-americana bell hooks (o nome da autora é escrito com minúsculas), Irmãs do Inhame — Mulheres Negras e Autorrecuperação (Martins Fontes, 2023).
— Entramos em uma fase de buscar autoconhecimento racial — frisou a jovem.
O sucesso na venda de livros foi sentido e comemorado pelos livreiros. Proprietária da Traça Livraria e Sebo, Carmen Menezes disse que comercializou cerca de três mil títulos, o que a deixou surpresa. Achava que a enchente de maio havia abatido tanto os porto-alegrenses que ninguém teria ânimo de ir à Praça da Alfândega.
— A impressão que eu tinha era de que os humores estariam ressentidos. Mas o povo que veio estava animado. Eu adorei. O público comparecer para comprar livros é algo muito gratificante — disse.
Além dos livros, a Feira ofereceu 209 atividades, entre bate-papos e vitrines de lançamento, que abrangeram 398 escritores, sendo 88% gaúchos e 45% mulheres. O público que prestigiou a programação com os autores foi de aproximadamente 11 mil pessoas. A área infantil e juvenil também teve movimento expressivo, com a presença de mais de 17 mil alunos.
Primeira curadora para a literatura negra, posto inédito criado para estimular o consumo de livros de escritores pretos, Lilian Rocha disse que essa programação especial contou com 71 escritores em mais de 20 eventos.
— Com alegria vi o quanto as pessoas ficaram felizes quando se viram representadas nas bancas, nos espaços, sentindo-se pertencentes a um evento tão importante quanto a Feira.
O posto de curador para a literatura negra deve se manter na edição do ano que vem, que já tem data confirmada: de 31 de outubro a 16 de novembro de 2025.