Para colocar de pé a 65ª edição da Feira do Livro de Porto Alegre, 1 mil funcionários atuam nos bastidores do maior evento literário do Rio Grande do Sul. Três mulheres, profissionais de diferentes áreas, se destacam entre as centenas de trabalhadores. Apesar de terem escritórios improvisados na Feira, elas podem ser consideradas onipresentes na Praça da Alfândega. Impossível pará-las.
Para entrevistar as três, a reportagem precisou, na maior parte do tempo, segui-las pelos corredores e estandes.
Há 35 anos ininterruptos trabalhando no evento, a arquiteta Jussara Rodrigues, 64 anos, comanda 14 funcionários na produção da programação para os adultos. Na feira há três décadas, a professora aposentada Nóia Kern, 72 anos, é a coordenadora da área de informações do evento. Comandando 33 funcionários, a jornalista Sônia Zanchetta, 68 anos, é a responsável pelas áreas infanto-juvenil e Internacional da Feira.
A dona do balcão da Praça
Ela foi a voz do poste da Praça da Alfândega por mais de uma década, atuou na produção e ajudou nos primeiros anos dos encontros entre autores e leitores na área infantil. Pelo conhecimento adquirido ao longo de 35 anos, entre idas e vindas na Feira do Livro de Porto Alegre, a professora aposentada Nóia Kern, 72 anos, há seis está à frente da coordenação da área de informações do evento. É ela quem gerencia a equipe de cinco funcionários responsáveis por atender diariamente cerca de 1,5 mil pessoas que costumam chegar ao estande repletas de dúvidas.
Nóia recorda ter se envolvido ao acaso com a função de locutora da maior feira de livros do Estado, em 1984, quando livreiros precisavam fazer um anúncio no alto-falante instalado num dos extremos da praça. Com dicção clara e acostumada a desenvolver peças de teatro com os alunos e a apresentar os eventos na escola onde trabalhou, Nóia acabou convidada a permanecer no microfone pelos 12 anos seguintes.
— Se criou a voz do poste porque o alto-falante era num poste próximo da Caldas Júnior. Naquele tempo, eu fazia a locução no meio de toda a imprensa. Muitas vezes, precisava pedir que ficassem quietos para conseguir anunciar. Quando eu terminava, voltava o burburinho. Era muito divertido — recorda, aos risos.
Depois do poste, ficou quatro anos afastada da feira. Ao voltar, pediu para mudar de função:
— Eu já não aguentava mais a minha voz.
Leitora voraz, lê mais de 100 obras anualmente - em 2018, foram 120. Entre dezembro e junho, Nóia dedica-se à família - os filhos, o jornalista Thiago e o agrônomo Cassiano, e o neto Bernardo. A rotina da coordenação inicia no final do primeiro semestre, quando faz questão de selecionar os funcionários que trabalharão ao seu lado no evento seguinte.
— A rotina de aposentada não me pegou totalmente. Eu não paro nunca — comenta.
A reportagem percebeu a agilidade da professora ao tentar entrevistá-la em meio a mais um dia de trabalho na Feira, no centro da praça. Três frases e a entrevista é interrompida por um funcionário querendo tirar uma dúvida. Dois minutos depois, é a vez de um amigo se aproximar para abraçá-la. Na sequência, um visitante se aproxima para saber em qual banca ele poderia encontrar determinado livro. Nóia atende a todos sempre com um sorriso. Gosta de acolher, como diz.
— Eles chegam timidamente, como se estivessem envergonhados de perguntar. Eles chegam de mansinho, e eu tomo conta deles. Os acolho. Passo o meu conhecimento para eles e vai se travando uma relação de muita intimidade, de muito afeto. O balcão é um lugar de mediação de leitura nesta que é a minha segunda casa — resume.
A arquiteta dos livros
Respirando a Feira desde os primeiros meses de vida, Jussara Rodrigues, 64 anos, nunca esteve distante do evento. Antes de abraçar voluntariamente a produção da programação, em 1984, ela já vivia a Feira por meio do pai, o livreiro José Pereira Rodrigues, e, depois, da livraria da qual foi proprietária e que a levou a fazer parte da Câmara Rio-Grandense do Livro (CRL).
Formada em arquitetura, teve como primeiro desafio da carreira projetar a nova livraria da família. O envolvimento com o pedido proposto pelo pai fez Jussara perceber a verdadeira vocação:
— Já adorava estar entre os escritores, durante a Feira. Projetar a livraria só aumentou esta minha paixão e acabei me tornando cada vez menos arquiteta e mais livreira.
Entre 1984 e 1992, Jussara dividiu-se entre o próprio negócio e a produção da programação da Feira. Desde a década de 1990, quando encerrou as atividades da livraria, dedica-se exclusivamente ao trabalho na Câmara Rio-Grandense do Livro.
Hoje, é coordenadora-executiva da Feira e produtora da programação para o público adulto. Comanda diretamente 14 funcionários e, assim como Nóia e Sônia, está em todos os cantos do local.
A 65ª edição nem terminou e Jussara já está organizando a próxima. Como produtora, tem o sonho de trazer à Feira a jornalista e escritora espanhola Rosa Montero. Incansável, mesmo depois de algumas tentativas em edições passadas, ela revela que seguirá tentando para os anos seguintes.
— A Feira vem crescendo e buscamos manter um padrão de qualidade e de contemporaneidade. O desafio vai acompanhando os movimentos do mundo nos campos financeiro, político e cultura. A Feira busca ser um reflexo de tudo isso que ocorre — resume.
A mediadora de leitura
Mesmo durante a Feira, quando chega a ficar mais de 12 horas por dia envolvida com o evento, a jornalista Sônia Zanchetta, 68 anos, não deixa de fazer o ritual matinal, antes de ir de Cachoeirinha a Porto Alegre: diariamente, disponibiliza cerca de 50 livros, DVDs e revistas na Parada da Leitura, uma biblioteca criada por ela no ponto de ônibus da Avenida Flores da Cunha, no bairro onde mora e no qual desembarcam alunos das escolas da região.
À noite, passa pelo local e volta para casa com a bolsa vazia ou com algum novo livro deixado voluntariamente na prateleira. Todos os outros desaparecem, e este é o objetivo. Sônia se tornou uma mediadora de leitura na cidade que escolheu para morar e onde também mantém a biblioteca comunitária que ajudou a fundar.
Na Feira, não é diferente. Em 1997, ao conhecer o então presidente da CRL, Júlio Zanotta Vieira, durante um evento literário, e contar que estava voltando de uma temporada de 17 anos no Equador - onde atuou na embaixada do Brasil, em Quito, casou, teve três filhos e conviveu diretamente com o cenário cultural latino -, Sônia foi convidada para trabalhar na Câmara. Antes de coordenar a área infanto-juvenil e a área Internacional da Feira, foi a responsável por trazer a Porto Alegre autores como a mexicana Laura Esquivel e o peruano Mario Vargas Llosa.
Ao assumir o espaço dos pequenos leitores, acrescentou aos teatros — que, na época, eram a única atração infantil — os encontros com os autores, tendo Nóia como parceira por alguns anos.
Na atual sala improvisada na Feira, Sônia pouco consegue sentar. Próximo do computador, uma folha do calendário de novembro, quatro post its com recados urgentes e uma lista com os dez contatos mais importantes do evento ajudam na rotina corrida da coordenadora.
Durante a entrevista, que só pode durar 30 minutos, tamanha a procura por Sônia, pelo menos cinco pessoas a demandaram. Uma delas, inclusive, sentou e ficou aguardando o fim da conversa. Na outra tentativa de entrevista, enquanto caminhava entre os estandes, 25 pessoas se aproximaram de Sônia em momentos diferentes. Além de conduzir 33 funcionários, a jornalista é consultada no que for necessário para o melhor andamento do evento na Praça:
— Eu sou apaixonada pela Feira, assim como os gaúchos. E este amor, existente nas nossas parcerias, é que a faz acontecer todos os anos.