O maior prazer do livreiro Eduardo Luizelli, 74 anos, mais conhecido como Dudu, é ser desafiado pelos clientes a encontrar um livro raro no mercado. Na mesma hora, os olhos azuis ganham ainda mais brilho e ele contata distribuidores do Brasil inteiro até achar a obra. Tem sido assim desde a primeira Feira do Livro de Porto Alegre, em 1955, quando, orientado pelo pai, Sétimo, ficava atento às caixas dos saldos da banca da família, auxiliando os clientes na procura pelos exemplares. Devido a esta característica tão peculiar, o hoje único livreiro a ter participado de todas as 65 edições se tornou conhecido entre os clientes como "o garimpeiro".
Na feira inaugural, recorda Luizelli, as 14 bancas foram produzidas na área de marcenaria da antiga Livraria do Globo. A dos pais do livreiro representava três editoras cariocas: Aurora, À Noite e Francisco Alves. Daquela experiência, jamais esqueceu as cenas dos curiosos se aproximando e folheando cada livro. Foi o suficiente para nunca mais se afastar da Praça da Alfândega. No ano seguinte, já ajudando o pai na livraria Aurora, seguiu nos saldos.
— Considero aquele um período romântico da Feira, quando os donos das livrarias mais conceituadas da cidade ainda participavam diretamente das vendas na praça. Foi uma boa época — recorda.
Depois de assumir em definitivo os negócios da família, comprando a parte do pai na Aurora, Luizelli chegou a ter cinco filiais da livraria na cidade - atualmente, mantém apenas a sede. Também foi presidente da Câmara Rio-Grandense do Livro, entre a 30ª e a 32ª edições da Feira. Orgulha-se de dizer que na sua gestão o evento começou a ter patronos vivos. Até então, os homenageados eram escritores já falecidos.
— Começamos muito bem. Tivemos Maurício Rosenblatt, Mario Quintana e Ciro Martins como patronos daquelas edições. Todos os anos sempre temos grandes autores gaúchos a serem homenageados — comenta.
Ainda no comando da Câmara, Luizelli deu início ao tradicional bar da Feira, que causou incômodo quando outros organizadores questionaram a mistura das ações literária e etílica. Com o passar dos anos, a praça de alimentação se tornou ponto tradicional de encontro nos finais de tarde. Neste ano, porém, a área deixou de existir.
— Não sei o motivo, mas é uma pena não termos mais escritores e leitores confraternizando, o que deixava a Feira ainda mais movimentada — lamenta.
Pausa para cuidar da saúde
Em 2013, Luizelli enfrentou um desafio que o fez afastar-se temporariamente da maior paixão, os livros. Ao enfrentar um câncer de pele e, na sequência, o câncer de intestino que o fez ficar internado por dez meses e 15 dias, o "garimpeiro" limitou-se a lutar pela vida. Entre abril e agosto daquele ano, esteve mais tempo em coma do que lúcido.
No mesmo período, a mulher, Rosa, com quem é casado há 49 anos, e uma das quatro filhas, Gabriela, 30, assumiram os negócios da família. Rosa, 68, lembra dos cinco anos seguintes, quando o marido precisou reaprender a falar, caminhar e até comer sozinho. Mesmo com Luizelli ainda em recuperação, as duas continuaram participando de todas as edições da Feira e mantiveram as atividades da Aurora.
Considero aquele um período romântico da Feira, quando os donos das livrarias mais conceituadas da cidade ainda participavam diretamente das vendas na praça. Foi uma boa época.
EDUARDO LUIZELLI
Livreiro, sobre os primeiros anos da Feira do Livro de Porto Alegre
Em texto publicado no site da livraria, a filha administradora da Aurora escreveu "... estou aqui, em um prédio de quatro andares lotados de livros, tentando achar soluções e salvações para o que - talvez - significa (sic) a história de uma família inteira. Minha geração foi criada no meio de computadores... ...por mais que o mundo esteja sendo tomado por tecnologias e eletrônicos, um livro será sempre um livro: páginas para serem folheadas uma a uma, levando nossas mentes a lugares inimagináveis".
Recuperado, Luizelli voltou sorridente ao seu habitat natural: a Aurora, localizada na Rua Marechal Floriano. Consciente de que precisa reduzir a velocidade de anos anteriores, é grato pela possibilidade de seguir sentindo o cheiro dos 75 mil livros catalogados e outros 20 mil à espera de identificação, espalhados pelos quatro andares da livraria.
Durante a Feira, enquanto a mulher e a filha permanecem na banca 35 da praça, Luizelli dedica-se às vendas na sede. Diariamente, depois das 19h, quando fecha a porta do prédio, faz questão de percorrer os corredores do evento. No fundo, tem a esperança de, quem sabe, garimpar mais um pedido especial para algum cliente.