Pacífico e acolhedor eram dois adjetivos usados até há pouco tempo pelo senso comum para definir o Brasil. Com a emergência da agressividade nas redes sociais e a polarização nas eleições, um país com ódios e ressentimentos começou a se tornar mais visível, causando espanto e surpresa em muita gente. Não na historiadora Lilia Moritz Schwarcz, que encontra no estudo do passado as origens das relações tensas e desiguais que se renovam no país.
No recém-lançado Sobre o Autoritarismo Brasileiro, a autora expõe por que a intolerância não pode ser considerada uma novidade em território nacional.
– Esse livro vai contra uma vertente da sociedade que afirma "nossa, que coisa impressionante, o brasileiro virou autoritário". Não. O brasileiro sempre foi autoritário. E também tem muito de negacionista. É comum ouvir frases como "nós não somos racistas", "não tivemos uma escravidão violenta", "tivemos uma ditabranda", "somos um país igualitário". Na verdade, somos o nono país mais desigual do mundo. Esse processo eleitoral mais recente retirou nosso véu, nos forçou a ver que o brasileiro carrega consigo a intolerância, e que ela tem aumentado – avalia Lilia.
O novo livro foi uma encomenda da editora Companhia das Letras para a escritora, realizada logo após as eleições presidenciais. A escrita, em linguagem simples e direta, é capaz de captar a atenção de um público amplo, que vai muito além dos aficionados por História. Não é à toa que Sobre o Autoritarismo Brasileiro começou a figurar na semana passada em algumas listas de livros mais vendidos no país – espaço que Lilia já frequentou com títulos como Brasil: Uma Biografia (2017, em parceria com Heloisa M. Starling) e Lima Barreto: Triste Visionário (2018).
Além da experiência com recentes sucessos editoriais, a escritora também exercita o diálogo com diferentes perfis de leitores por meio de uma coluna no jornal Nexo e postagens de notícias e comentários no Instagram. Para ela, o novo livro é um modo de qualificar o debate sobre o país com diferentes leitores:
– Assim como nem todos os eleitores que votaram no Haddad são iguais, com certeza os eleitores de Bolsonaro também são variados. O livro é uma tentativa de dialogar com essas pessoas.
Painel histórico espelha dados e notícias atuais
Com pouco mais de 200 páginas, seguidas de vasta bibliografia, Sobre o Autoritarismo Brasileiro é dividido em oito capítulos, com temas como escravidão, mandonismo e patrimonialismo. No texto, contribuições da História são cruzadas com dados estatísticos e notícias atuais, demonstrando como estruturas de poder, discriminação e fragilidade na separação entre público e privado se repetem ao longo do tempo. Ao final, um capítulo trata do momento atual do Brasil e discute ações para a defesa da democracia, entre elas, o fortalecimento da Constituição, das instituições e de uma educação mais inclusiva e atenta às diversidades sociais.
– Estamos em um tempo muito urgente. Há toda uma geração, um grupo que pode se denominar mais largamente de progressista, que demorou a perceber a polarização que se expressava pelas redes sociais. Vivemos um momento espantoso de inversão de pauta, de agenda, de valores que nós julgávamos equivocadamente consolidados – conclui Lilia.