O português David Machado era um economista em 2004, mas "por sorte", como ele mesmo diz, perdeu o emprego. Foi só nesse momento que pôde se dedicar completamente à literatura. Com livros infantis e romances no currículo, ele é hoje um dos jovens escritores mais badalados de Portugal. Machado conversou com ZH sobre Índice médio de felicidade, que acaba de chegar ao Brasil, depois de receber o Prêmio da União Europeia para a Literatura.
Índice médio de felicidade se passa por volta de 2010, em plena crise europeia. Ao iniciar o romance, tinha intenção de escrever uma crônica sobre esse momento?
Minha intenção principal era falar sobre o tema da felicidade. Sempre me considerei uma pessoa feliz, e, nos últimos anos, surgiu a questão do que seria capaz de me tornar alguém menos feliz, pois já passei por momentos ruins suficientes, mas resisto com meu índice de felicidade mais ou menos intacto. Parto de um homem que sempre se sentiu mais ou menos satisfeito com sua vida, com escolhas organizadas em relação ao futuro, e o que precisa acontecer para que ele seja abalado. Enquanto escrevia, fui criando obstáculos, para ver quando esse personagem tombaria.
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Escrever sobre o tempo presente pode ser desafiador. Por que essa escolha?
Custei muito para me sentir à vontade com isso, porque sempre tive o receio de estar próximo demais do contexto, de não saber analisar a época em que vivo, de não escolher as características certas a serem trabalhadas em um texto de ficção. A experiência do meu romance anterior, Deixem falar as pedras, foi importante nesse sentido. Depois, quando eu abria a janela em Portugal, havia de fato essa crise ocorrendo. Era um bom contexto para a história. Então, não tive dúvidas.
Como está Portugal hoje, em comparação ao momento de crise descrito no livro?
Não mudou muito, mas está um pouco melhor. Temos agora um governo socialista, que apresentou um discurso, em minha opinião, mais próximo da vontade da classe média, que era quem estava sofrendo mais com a crise, e também das classes mais pobres. Além disso, estão fazendo um trabalho que tem deixado as pessoas mais esperançosas. Concretamente não mudou tanto, mas o desemprego baixou, os impostos baixaram.
O título do livro faz referência a uma tentativa de quantificar algo subjetivo, a felicidade. É uma crítica à tentativa contemporânea de comparar tudo por meio de números?
Sempre gostei muito de matemática, me formei em economia, sempre tive essa tendência de tentar quantificar as coisas, mas, ao mesmo tempo, tenho bom senso e sei que não é possível estender isso a tudo na vida. O Xavier, um dos personagens da trama, é um modo que criei de pegar essa minha característica e a levar a um extremo que não levo na minha vida pessoal, além de ironizar essa situação em que vivemos hoje, na qual tudo é comparável por meio de números. Por outro lado, compreendo essa tentativa. Numerar e quantificar é uma forma muito direta e imediata de relacionar duas ou mais coisas. As pessoas são muito inseguras, têm medo, inveja. Ao quantificar as coisas, nos sentimos um pouco mais seguros, mais calmos.
Índice médio de felicidade
David Machado
Dublinense, 320 páginas, R$ 39,90
Encontro com o autor às 18h30min de sábado no Auditório Barbosa Lessa do Centro Cultural CEEE Erico Verissimo (Rua dos Andradas, 1.223).
Autógrafos às 20h, na Praça de Autógrafos.