No solo O Testamento de Maria, com sessões nesta terça (19/9) e quarta (20/9), às 20h, no Teatro da Santa Casa, dentro do 24º Porto Alegre Em Cena, a atriz Denise Weinberg estrela uma reescrita da personagem bíblica assinada pelo irlandês Colm Tóibín. Denise concedeu entrevista por e-mail a Zero Hora sobre o espetáculo.
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A Maria que está no espetáculo aparece em tons mais heréticos, como uma mulher que desconfia da condição do próprio filho. Que leitura você faz dessa situação?
A genialidade deste texto de Tóibín é mostrar um outro ponto de vista desta história bíblica, tão conhecida no mundo inteiro. Tóibín apresenta uma Maria simplesmente mãe, humana, sem mistificação nenhuma, sem nenhuma religiosidade, mas uma mãe preocupada com um filho extremamente sensitivo, delicado e inteligente que se juntou "com um bando de desajustados" e ficou perambulando pelo mundo, e deu no que deu, teve um triste fim, sendo crucificado no Gólgota. É esse ponto de vista de Maria ser uma mulher comum, como todas nós, é o que faz toda a diferença na história. Aliás foi isso que mais me impressionou quando li pela primeira vez o livro de Tóibín. Segundo o ponto de vista de Tóibin, depois da morte de Cristo, os apóstolos aprisionaram Maria, para que ela contasse tudo que sabia sobre a vida de Cristo e a partir daí, eles escreveram os Evangelhos, que só foram publicados quase 70 anos depois da morte de Cristo. E como ela mesmo diz: "eu sei que eles escrevem coisas que nem eu e nem ele vimos. Mas eles querem que suas palavras sejam importantes, que todo mundo ouça. Eles querem que o que aconteceu viva pra sempre. Acreditam que o que eles estão escrevendo, vai transformar o mundo".
Com esse novo ponto de vista que Tóibín apresenta através de O Testamento de Maria, eu fiquei pensando, se os apóstolos não foram responsáveis pelo maior e mais importante golpe de mídia da história da humanidade. A partir de então eles conseguiram mudar um pensamento político, religioso e social e fundaram uma instituição, a Igreja, que veio a ser um dos maiores potentados da história ocidental.
O texto de Tóibín remete a uma mulher com voz própria. E estamos justamente num momento em que se discute questões relacionadas a igualdade de gênero. O quão atual se torna o texto a partir desta ótica?
A atualidade do texto é enorme em relação à força da mulher. Tóibín coloca Maria como uma mulher pensante, ativista, indignada, inteligente, sagaz, qualidades que jamais uma mulher naquela época teria chances de mostrar. Ela viveu numa época em que a mulher servia só para parir e ser usada sexualmente. Não tinha voz absolutamente nenhuma e vivia atrás da sombra do homem, cuidando dele e de sua família, dentro de casa, sem nenhuma independência, e sem nenhuma força na sociedade. E Tóibín coloca hoje essa mulher apresentando uma teoria demolidora, iconoclasta e tratando os homens como oportunistas, cruéis e extremamente interesseiros, o que não deixa de ser uma realidade até hoje. Basta ver a política do mundo atual, liderada por verdadeiros monstros gananciosos por poder e dinheiro, sem nenhuma preocupação com a evolução do homem moderno, mas sim com sua escravização à terras, bens e propriedades.
Na concepção cristã, Maria é vista como um ícone, como mãe imaculada. Mas o texto apresenta uma ruptura com essa identificação. Em quais momentos do espetáculo isso fica mais evidente?
No texto, em nenhum momento, Maria é tratada como uma mulher santa e imaculada, muito pelo contrário. Depois que ela conta da cena da crucificação, ela confessa que fragilizada, com medo de ser presa e estrangulada, ela preferiu fugir antes de ver o filho morrer, simplesmente para se proteger, para se defender. Uma atitude nada imaculada nem "cristã", para uma mãe que está perdendo um filho. "Eu preciso dizer isso pelo menos uma vez. Preciso dizer estas palavras. Apesar do pânico, do desespero, da minha dor, a dor verdadeira era a dele, e não a minha. Quando vi que eu mesma poderia ser presa e estrangulada, meu instinto foi o de fugir. Apesar de eu ter sido a sua única protetora no mundo, apesar de eu ter sido sua mãe, se eu fosse obrigada a deixá-lo morrer sozinho, isso é o que eu faria."
Você é uma atriz consagrada, com prêmios Molière e Shell no currículo, mas ficou conhecida do grande público pelas atuações na TV e no cinema. O que planeja para os próximos trabalhos? Mais teatro, mais cinema e TV?
Neste momento muito triste e deprimente que o Brasil está passando, está difícil ter algum projeto cultural possível e viável, aliás ter alguma esperança neste país está ficando cada vez mais difícil. Mas eu vou continuar incansavelmente contribuindo como posso no teatro, SEMPRE, pois o teatro é a minha casa, foi onde me criei, foi onde eu vivi durante toda a minha vida até agora, apesar de não conseguir mais sobreviver só com ele. Continuo a fazer cada vez mais cinema, que no momento ainda tem alguma contemplação financeira decente e acho que cada vez mais o cinema brasileiro, principalmente o cinema nordestino está numa fase de franca evolução, com roteiros maravilhosos e equipes profissionais de alto nível. E eventualmente TV, quando aparecem séries interessantes para fazer. Minha carreira sempre foi fundamentada em textos bons, instigantes que façam as pessoas pensarem, se divertirem e se questionarem. E pretendo continuar essa caminhada mesmo com todas as dificuldades que estão nos impondo. Fazer arte neste país é resistir á uma guerra com enormes dificuldades, pois o nível cultural da população está descendo ladeira abaixo. E este é o maior interesse dos nossos governantes. Mas vamos resistir, irei sempre resistir, levando meu teatro debaixo do braço para onde conseguir ir.
O TESTAMENTO DE MARIA
Nesta terça (19/9) e quarta-feira (20/9), às 20h. Duração: 60 minutos.
Teatro do Centro Histórico-Cultural Santa Casa (Av. Independência, 75), em Porto Alegre.
Ingressos: R$ 80. Desconto de 50% para sócios do Clube do Assinante.
Ponto de venda sem taxa: Centro Municipal de Cultura (Av. Erico Verissimo, 307), de terça a sábado, das 10h às 14h e das 15h às 19h.
Ponto de venda com taxa: site bit.ly/24poaemcena.
Para as sessões do dia, haverá ingressos somente na bilheteria do teatro, uma hora antes do início.