Leia, a seguir, a entrevista concedida pela atriz Taís Araújo a Zero Hora por telefone. Ela apresenta o espetáculo O Topo da Montanha desta sexta-feira (2/6) a domingo (4/6) no Theatro São Pedro, em Porto Alegre.
A entrevista com Lázaro Ramos pode ser lida aqui.
ENTREVISTA: Taís Araújo
O espetáculo conta uma história ambientada nos Estados Unidos, mas diz respeito a pessoas em diferentes lugares, como o Brasil. Na sua visão, quais são os principais temas da peça?
Tem uma fala da peça em que Luther King diz que as pessoas o pressionam para escolher uma causa, e ele não consegue porque acha que as causas são interligadas. Então, ele fala de fome, pobreza, guerra, negros. A peça fala muito sobre coragem, sobre olhar para o outro com afeto, olhar para a gente com maturidade e senso crítico. Fala, também, de dois temas complementares: a empatia e a alteridade. Vem muito a calhar no mundo de hoje, em que acontece uma tragédia como a de Manchester, e as pessoas nem falam mais que querem justiça ou vingança, só querem unir quem é do bem, quem pensa no bem comum. As pessoas estão indo para outro caminho porque está tudo tão violento e esquisito. Há uma tendência de união entre quem pensa diferente dos extremistas.
Por que a história de Luther King ainda encanta a todos?
O tema da não violência, que era a grande bandeira dele, toca muito as pessoas. Você fala em diálogo, em olhar para o outro, em exercitar a empatia, a paciência, o entendimento de que o outro é diferente de você. Só que tudo isso exige esforço e prática. Ele falava a favor de amor, mas não de uma maneira ingênua. É o amor até como forma política, das portas se abrirem para ele. Acho que era uma maneira muito sábia de agir politicamente, de alcançar conquistas.
Como você percebe sua personagem, a camareira Camae, que estabelece um verdadeiro embate de ideias com Luther King?
A peça começa com uma fala da mãe dele: "Meu filho, você é igual a qualquer outro". Serve muito para humanizar esse mito, trazer para perto, entender que todo mundo é um Luther King em potencial, a favor de qualquer causa, basta querer e se dedicar. O espetáculo mostra um suposto encontro entre uma camareira e ele, momentos antes de sua morte, e eles têm uma conversa que é um jogo de provocações. Ela se contrapõe a todo o ideal dele, todo o discurso de uma vida. Será que valeram a pena essas escolhas? Será que não deveria abrir mão da não violência e partir para a violência? Será que essas marchas dão em alguma coisa? O tempo inteiro ela vem questionando-o. E o provoca com discursos violentos. Imagine ter a chance de olhar para sua vida e suas escolhas, momentos antes de morrer, e pensar se valeram a pena. Assim como Malcolm X tomou uma posição muito extrema de violência, Luther King tomou uma posição muito contrária à violência. A questão é você pesar: será que essa foi a escolha certa? A grande riqueza desse texto é que provoca uma reflexão sobre vários assuntos. Apesar de não ter uma resposta pronta, te leva a pensar o quanto olhar para o outro com afeto pode ser uma solução quando estamos tão perdidos. Olhar para o outro e ver que a posição individualista caducou, deu no que o mundo é hoje. Então, te induz a refletir sobre o quanto o outro é importante na sua vida.
O fato de a dramaturga Katori Hall ser jovem, mulher e negra oferece uma perspectiva singular?
Totalmente. Ela optou por tratar um assunto superdenso e espinhoso por meio da comédia. É muito inteligente de sua parte, porque a comédia agrega e relaxa. Quando está todo mundo bem entregue, achando que é aquilo ali, ela vai e pega pelo coração. Chama para uma reflexão de maneira muito agregadora, quase carinhosa. É como se dissesse: “Senta aqui, vamos conversar, escuta as minhas questões”. Isso vem de uma percepção de muitos anos e de estudos de todos os movimentos que aconteceram nos EUA. É uma questão de peneirar: isso comunica, isso não comunica. Ela fez uma escolha. Vai para a comédia, mas também para o drama. Tudo é muito contundente.
Aqui no Brasil de alguma forma esses questionamentos também estão ocorrendo. Temos visto muitos artistas se envolvendo em manifestações sobre a política brasileira. Como você vê essa volta dos artistas ao palco dos acontecimentos da realidade?
Penso que ninguém é obrigado a nada. Ninguém é obrigado a se manifestar, nem a ter opinião sobre tudo, nem os artistas. Se alguma coisa te mobiliza a ponto de você ir para a rua, se expor e escrever sobre, isso tem legitimidade. O mais importante em tudo que vai se falar é que haja legitimidade, verdade, desejo. Se tem esse desejo de parte da classe artística... Não são todos. Nós (artistas) nem concordamos muito entre nós, também divergimos, e isso é muito saudável.
Voltando a referir Luther King, os brasileiros estão sentindo falta de líderes em quem possam confiar?
O Brasil está em uma situação muito triste, em que olhamos para o lado e não temos ninguém, a não ser nós mesmos. As pessoas estão se tocando disso. Agora é com a gente. Fizemos péssimas escolhas durante todo o período do Brasil República. Desde que pudemos fazer escolhas, nossas escolhas foram muito ruins. Esse país que temos hoje é fruto dessas péssimas escolhas, que nem achávamos que eram péssimas. Não sabíamos que ia dar nisso. Acho importante para criar casca e entender que temos que ser mais responsáveis, prestar atenção em política, que política é para todo mundo. Estamos em um momento muito triste, mas que pode ser interessante para o país.
Você é otimista ou pessimista sobre o Brasil e o mundo que serão deixados para seus filhos?
Acho que o mundo está em transformação, mesmo. Espero que seja para melhor. É um momento triste e delicado.
Vem aí um longa-metragem seu sobre o Pixinguinha?
Sim. Rodamos no início do ano. Eu faço a Beti, a esposa dele. É uma história muito linda, porque é a construção do choro no Brasil. É linda a relação dele com a mulher, uma relação de cumplicidade. Pixinguinha era um cara muito leve. O filme é uma homenagem a esse homem.
Que temas você pretende levar ao Saia Justa com sua participação?
O programa tem 15 anos, acho que já se falou de tudo. O negócio é que as coisas não mudam, então têm que ser discutidas e rediscutidas o tempo inteiro. O sistema carcerário é superinteressante de ser debatido, pois no Brasil a população carcerária só faz crescer. Sabemos o quanto é complexo lá dentro, o quanto a recuperação inexiste. Em um país como este, onde tudo é deficiente, onde não temos transporte, educação e saúde de qualidade, temos programa para mais cem anos, infelizmente.
Você tem outros projetos que poderia adiantar?
Acabamos a temporada da peça agora em Porto Alegre, é o último fim de semana, depois de quase dois anos de espetáculo. Aí tem o Mister Brau e tem o Saia Justa. Eu tenho uma filha de dois anos e quatro meses e um filho de cinco anos. Preciso ficar com eles (risos). Então, realmente preciso ficar em casa.
Você e Lázaro têm uma união que é pessoal e profissional. Você acha que a parceria dá certo porque vocês são parecidos ou, pelo contrário, porque são diferentes e se complementam?
Somos diferentes e parecidos (risos). Quer saber mesmo por que dá certo? Porque tem respeito e admiração. Temos um casamento pessoal e profissional, nos quais respeito e admiração são a base. Trabalhando com ele, exerço o respeito em outro lugar, por exemplo, ao entender que ele é meu diretor (Ramos dirige O Topo da Montanha). Será que eu falaria com outro diretor com o qual eu não tivesse tanta intimidade da mesma maneira que falo com ele? Tenho que exercitar (essa compreensão) de outra maneira. E é muito saudável.
O TOPO DA MONTANHA
Nesta sexta (2/6) e sábado (3/6), às 21h, e domingo (4/6), às 18h.
Theatro São Pedro (Praça Marechal Deodoro, s/n°), em Porto Alegre.
Ingressos esgotados.